Afirmações não fundamentadas cientificamente de uma autoridade chinesa da área agrícola sobre supostos riscos cancerígenos do consumo de soja transgênica reacenderam um debate acalorado sobre o uso de produtos agrícolas transgênicos, num país cada vez mais necessitado de alimentos.
Wang Xiaoyu, vice-secretário-geral da Associação de Soja de Helongjiang e partidário do consumo da soja local, não transgênica, disse recentemente que pessoas que consomem óleo de soja produzido a partir de soja transgênica “são mais vulneráveis a desenvolver tumores e esterilidade”.
Para sustentar sua afirmação, Wang observou que as regiões em que o consumo de óleo de soja transgênica era alto, como as províncias de Fujian e Guangdong, no sul do país, revelavam também altos níveis de incidência de câncer.
Especialistas se apressaram a questionar a metodologia de Wang. Vários observaram que ele não apresentou sequer um indício de evidências laboratoriais que correlacionassem soja transgênica com câncer ou infertilidade. Mas, num país profundamente tomado pela desconfiança com relação aos transgênicos, os usuários das mídias sociais puseram a ideia em circulação, disseminando o medo pela internet chinesa.
“Deveríamos substituir todas as provisões especiais dos dirigentes com alimentos transgênicos”, escreveu um usuário no microblog Weibo. “As coisas boas deveriam ser reservadas ao Partido Comunista.”
A forte reação desencadeada pela conjectura de Wang parece ter sido alimentada, em parte, por recente decisão do governo chinês de aprovar importação de novas variedades de soja transgênica, bem como por rumores de que a população americana não consome as plantas transgênicas produzidas por seu país.
Em junho, as autoridades chinesas aprovaram a importação de três novas variedades de soja transgênica – duas da americana Monsanto e uma da alemã Basf em parceria com a estatal brasileira Embrapa. Os opositores dos produtos transgênicos criticaram o Ministério da Agricultura do país por falta de transparência nas aprovações.
O ministério disse em comunicado que tinha recebido solicitações de autorização de importação das duas empresas em 2010, mas uma busca no site do ministério não revela a existência de quaisquer documentos ou avisos de que os pedidos tenham sido protocolados. O ministério não respondeu de imediato a pedidos de entrevista.
Por outro lado, rumores de que os consumidores americanos não comem alimentos transgênicos reforçaram a atual paranoia na China com relação a produtos transgênicos, descritos em alguns fóruns na internet como “bombas de efeito retardado” lançadas pelos EUA para destruir a China, e como uma conspiração americana para manipular a economia mundial.
Na verdade, os consumidores americanos ingerem grandes quantidades de alimentos transgênicos. Falando numa mesa-redonda especializada hospedada pelo site do porta-voz do Partido Comunista “Diário do Povo”, Li Ning, diretora da divisão de gestão de segurança genética do Ministério da Agricultura, observou que 70% dos alimentos consumidos em território americano contêm material transgênico.
“Não houve qualquer caso confirmado na área da segurança alimentar causado por alimentos transgênicos até o momento. É seguro comer alimentos transgênicos”, disse.
Encarregado de alimentar 20% da população mundial com menos de 10% da área cultivável do mundo, o governo da China empreendeu o uso de tecnologias transgênicas para impulsionar o setor de sementes do país e melhorar a produtividade agrícola. Os meios científico e estratégico do país arrolam o desenvolvimento de transgênicos, resistentes a pragas e a doenças, como um projeto-chave. Desenvolver produtos transgênicos “equivale a pôr asas num tigre”, disse Huang Dafang, pesquisador do Instituto de Pesquisa Biotecnológica da Academia Chinesa de Ciências Agrícolas, em entrevista em março. Um dos principais adeptos dos transgênicos, Huang argumenta que a agricultura convencional, por si só, não é capaz de atender às necessidades da China.
Mas a oposição da opinião pública aos alimentos transgênicos continua forte. “A China não precisa desenvolver produtos agrícolas transgênicos. Se cultivarmos bem a terra e desperdiçarmos menos rações (não jogarmos porcos mortos no rio), a agricultura chinesa será capaz de alimentar a população chinesa”, escreveu Gu Xiulin, professora de Economia e Finanças da Universidade de Yunnan, no Weibo. “Os alimentos transgênicos são uma faca mágica capaz de aniquilar o gênero humano e de destruir o meio ambiente… não se deixe enganar.”
Na verdade, a China importa soja transgênica desde 1997, além de autorizar a importação de algumas variedades de milho transgênicos, embora ambos estejam sujeitos a controles rígidos. No momento, o milho e a soja transgênicos só são aprovados para serem processados em óleo de soja, farelo de soja e ração animal, e não diretamente para consumo humano.
A China se tornou a maior importadora mundial de soja, ao adquirir cerca de 60% da soja negociada mundialmente. A maior parte dessa soja importada é de variedades transgênicas produzidas nos EUA, Brasil e Argentina.
Em novembro de 2009 o Ministério da Agricultura emitiu certificados de biossegurança para duas variedades de arroz transgênico resistentes a pragas e para uma variedade de milho fitase, aprovando-as para uso em áreas experimentais. (A fitase pode aumentar a absorção de fósforo por animais e ajuda a aumentar a eficiência da ração). O plantio comercial de produtos agrícolas transgênicos ainda é estritamente proibido, embora autoridades da União Europeia (UE) afirmem ter encontrado vestígios de arroz transgênicos em produtos derivados de arroz importados da China.
O governo chinês não sinalizou qualquer intenção de autorizar o plantio em larga escala de transgênicos, em grande medida devido à preocupação com a opinião pública.
“Não é normal para um país em desenvolvimento como a China deixar de desenvolver tecnologias avançadas”, disse Huang. (Tradução de Rachel Warszawski)