Pela primeira vez na gestão Dilma Rousseff os economistas começam o ano com projeções mais pessimistas para a atividade econômica do que para o período que passou. A média das estimativas de 17 instituições financeiras e consultorias ouvidas pelo Valor Data é de crescimento de 2,1% em 2014, perda de fôlego em relação ao avanço de 2,3% esperado, em média, para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2013. Em 2011 e 2012 – primeiro biênio do governo atual – o consenso de mercado apontava para alta de 3,3% do PIB no período de um ano à frente, perspectivas que acabaram frustradas.
O ânimo mais contido dos analistas tem como pano de fundo a percepção de que a capacidade de expansão da economia diminuiu nos últimos anos, mas também reflete questões conjunturais, como uma herança estatística mais fraca deixada pelo ano de 2013 e, ainda, a desaceleração prevista para os investimentos, num cenário em que o consumo deve seguir em processo de acomodação.
Como a ameaça de rebaixamento da nota da dívida soberana brasileira limita a margem de manobra para novos estímulos fiscais, economistas argumentam que há maior dificuldade do governo em impulsionar a atividade, mesmo em ano de eleições presidenciais e Copa do Mundo. Se confirmadas as expectativas mais modestas para 2014, a média do crescimento econômico nos quatro anos do governo Dilma Rousseff vai ser de 2%, menos da metade da média de 4,6% observada no segundo mandato de Lula na Presidência.
Mesmo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, adotou um discurso mais cauteloso para 2014. A projeção oficial é que a economia cresça pouco mais de 2,5% no próximo ano, longe dos 4% que o governo estimativa como PIB potencial até pouco tempo.
Apesar do desempenho mais tímido esperado para a atividade, a inflação deve ficar ainda mais pressionada no ano que vem, em torno de 6% – mais próxima do teto do que do centro da meta perseguida pelo Banco Central, de 4,5%. Nesse cenário já está embutida a previsão de que o atual ciclo de aperto monetário, iniciado em abril pelo BC, vai levar a Selic para 10,5% ao ano em 2014, 0,5 ponto percentual a mais do que a atual taxa básica de juros.
O PIB vai voltar a perder fôlego, após ter acelerado entre 2012 e 2013, por causa do pessimismo que tomou conta das avaliações sobre a economia brasileira, diz o corresponsável de economia e estratégia para a América Latina do Barclays, Marcelo Salomon. Os investimentos, mais sensíveis às oscilações da confiança, devem aumentar apenas 0,5% no próximo ano, bem menos do que o avanço de 6,3% esperado para este ano, projeta. “É natural que o empresário tome uma pausa para respirar diante das incertezas que estão no cenário.”
Além das eleições presidenciais em outubro, o mercado brasileiro pode passar por “chuvas e turbulências” no primeiro trimestre do ano, o que afetaria ainda mais o humor dos empresários, diz Salomon. Entre os eventos adversos esperados para o começo do próximo ano pelo Barclays estão o rebaixamento da nota de crédito da dívida soberana do Brasil e o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da correção das cadernetas de poupança nas mudanças de planos econômicos. O risco de uma “tempestade perfeita”, no entanto, ficou um pouco menor desde que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) anunciou que o programa de compra de ativos será reduzido gradualmente a partir de janeiro em US$ 10 bilhões, para US$ 75 bilhões.
O consumo, que perdeu força ao longo de 2013, também não deve ser um grande impulso à atividade nos próximos dois anos. O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, lembra que, no início dos anos 2000, a demanda das famílias “explodiu” devido a reformas que permitiram um maior acesso da população ao crédito, movimento que se estagnou e não deve se repetir mais daqui para frente.
Junto a esse fator, a tendência de alta lenta e gradual da taxa de desemprego também joga contra um comportamento mais expressivo do consumo, afirma Vale. Os economistas consultados pelo Valor Data projetam que a taxa de desocupação nas seis principais regiões metropolitanas será de 5,8% em 2014 e de 6% em 2015, enquanto o volume de vendas do varejo restrito deve aumentar 4% e 3,7% nesses dois anos, respectivamente.
Para Fernando Genta, economista-chefe da MCM Consultores, a economia só não vai se enfraquecer mais em 2014 porque o setor externo vai dar ajuda relevante. Com a desvalorização do câmbio, que deve encerrar o próximo ano em torno de R$ 2,40, o superávit da balança comercial vai saltar de apenas US$ 1 bilhão para US$ 14 bilhões em 2014, estima.
Além do real mais fraco, diz Genta, a expectativa de melhora do saldo comercial é decorrente do crescimento menor da demanda interna, que segura importações, e também de alguma reação esperada para a demanda global. Por último, a normalização das importações de petróleo e a retomada das exportações, após paradas programadas para manutenção de plataformas, também vão impulsionar o resultado.
Mesmo com condições melhores para exportar, a indústria seguirá com dificuldades no próximo ano, argumenta Luis Otávio de Souza Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil. “O ano que vem vai ser um ano de consumo baixo e os investimentos também não terão capacidade para crescer com força. De onde virá o espírito animal do empresário nesse cenário?”, pergunta Leal, para quem a recomposição do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos a partir de janeiro será outro fator de moderação.
A despeito da piora projetada para o ritmo da atividade, os economistas ouvidos descartam um ajuste forte da política econômica em 2014 em pleno ano eleitoral. A MCM estima superávit primário de 1,3% do PIB no ano que vem, praticamente o mesmo esforço fiscal esperado para este ano, se descontadas as receitas extraordinárias, como o pagamento de R$ 15 bilhões pelo bônus de assinatura do leilão do campo de Libra.
Segundo Genta, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s vai rebaixar a nota do Brasil em um degrau no início de 2014, em função do baixo crescimento da economia e da ausência de austeridade no lado fiscal. Como, porém, essa decisão já está nas contas do mercado, a volatilidade dos ativos gerada pelo “downgrade” não deve ser tão grande, afirmou.
Leal, do ABC Brasil, também duvida que o governo faça um aperto muito relevante da política fiscal em 2014, já que é mais difícil controlar os gastos de Estados em anos eleitorais. Se o governo conseguir entregar um superávit primário de 1,8% do PIB no próximo ano, “isso já será uma vitória”, disse.
Ainda assim, o economista-chefe do ABC não trabalha com um rebaixamento da nota de crédito pelas agências. “A S&P já indicou uma vez que esse patamar de 1,8% do PIB pode ser bom”. Para ele, um eventual “downgrade” pode ser postergado para 2015, salvo um “acidente de percurso”, como, por exemplo, a aprovação pelo plenário do projeto de lei complementar que muda o indexador dos contratos de refinanciamento da dívida celebrados entre a União, Estados e municípios. O projeto já passou no Senado.
Mesmo com o início do “tapering” já anunciado pelo Fed, o programa de redução de estímulos à economia dos EUA permanece como outra fonte de incerteza para o cenário doméstico no próximo ano, acrescenta Sergio Vale, da MB. “O ‘timing’ da mudança foi antecipado, mas a percepção é que o Fed vai continuar diminuindo o ritmo de colocação de recursos a cada vez”, diz o economista, o que seria “um gatilho” para uma pressão maior sobre a taxa de câmbio.
“Os fundamentos internos para o câmbio também devem continuar complicados, especialmente a questão fiscal”, diz o economista-chefe da MB. Por ora, ele estima que a cotação da moeda americana será de R$ 2,50 ao fim de 2014 e de 2015, mas avalia que não haverá benefícios para o Brasil com alguma desvalorização adicional. Além de pressionar ainda mais as expectativas de inflação, Vale aponta que o dólar mais alto não deve melhorar a situação da indústria e ainda prejudica os investimentos em capital fixo, já que cerca de metade do maquinário consumido no país vem de fora.