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Economia

Dúvidas em relação a qualidade põem investimentos na África em xeque

Especialistas questionam a "qualidade" dos investimentos estrangeiros em produção agrícola na África.

Dúvidas em relação a qualidade põem investimentos na África em xeque

Em 2008, com os preços dos alimentos em alta e alguns países produtores impondo restrições às suas exportações, foi deflagrada uma onda dos investidores globais em agricultura. A África, favorecida por muitas terras férteis mas subdesenvolvidas, entrou no foco das atenções, especialmente da parte dos Estados árabes do Golfo Pérsico, ricos em petróleo e dependentes das importações.

Esse interesse deu origem a uma série de anúncios de megaprojetos, da Zâmbia ao Sudão, na medida em que as questões de segurança envolvendo os alimentos passaram a ter mais importância. Mas também houve um segundo impacto – o aumento da discussão sobre a sustentabilidade e os riscos que acompanham os investimentos estrangeiros em larga escala em terras de países africanos frequentemente pobres e subdesenvolvidos, que lutam para alimentar suas próprias populações.

Com frequência, esses planos atraem o rótulo pejorativo de “apropriação de terras” e vêm sendo motivo de controvérsias de grande publicidade, como a tentativa de envolvimento da sul-coreana Daewoo em um projeto agrícola em Madagascar.

Especialistas afirmam que, basicamente, muitos dos planos do biênio 2008-2009 não se materializaram, uma vez que a crise dos alimentos foi amenizada e os investidores passaram a ficar mais atentos aos riscos políticos e às enormes dificuldades logísticas. Mas, com o crescimento populacional e as mudanças nos hábitos de consumo, a tendência do interesse dos investidores estrangeiros nas terras africanas deve perdurar.

Não há números precisos sobre a escala das aquisições de terras, mas o Land Matrix, banco de dados online sobre negócios com terras, registrou 986 negócios desde 2000, envolvendo um total de 57,3 milhões de hectares – 41% deles adquiridos na África, com a Etiópia, Sudão, Zâmbia, República Democrática do Congo e Madagascar entre os dez países mais visados.

A África se destaca porque grande parte das terras está nas mãos do Estado e elas podem ser relativamente baratas, ao mesmo tempo em que vários governos vêm tentando investir em agricultura, segundo afirma Michael Taylor, da International Land Coalition.

“É uma grande preocupação o fato de o modelo de investimento usado até agora, o da compra de terras, aparentemente ser o dominante, de modo que há necessidade de uma regulamentação. Os governos precisam tomar decisões firmes em consideração a uma estratégia mais ampla de desenvolvimento rural”, diz ele. “Conversamos com muitos grupos interessados e uma coisa que ouvimos de todos é que precisamos de investimentos, mas do tipo certo.”

Trata-se de um problema que vai ao cerne do debate em torno dos projetos de terras em larga escala na África – se os investimentos estrangeiros podem ser usados para ajudar em um desenvolvimento extremamente necessário, em vez de serem considerados como exploradores.

“Isso não pode ser visto como algo necessariamente negativo. Pode ser positivo se conduzido de maneira apropriada desde o começo. As pessoas podem ficar mais cautelosas e mais propensas a considerar tipos de investimentos que não impliquem necessariamente a compra de terras”, diz Paul Mathieu, diretor sênior de direitos de posse da FAO, a agência das Nações Unidas para agricultura e alimentação.

Os investidores poderiam contratar agricultores como empreiteiros, em vez de dispensá-los. “Tudo depende da maneira como se faz”, diz Mathieu. Segundo ele, algo sempre subestimado é o papel crescente dos investidores domésticos na agricultura. Mas ele acrescenta que os governos sempre estão lutando com recursos técnicos e humanos limitados para monitorar e regular os projetos.

No entanto, há o risco de, se os governos e os investidores ficarem cautelosos demais, isso vir a estigmatizar completamente os investimentos, afirma Chris Isaac, diretor de desenvolvimento de negócios da AgDevCo, uma organização sem fins lucrativos que trabalha em projetos agrícolas na África subsaariana. “É preciso haver exemplos de maior visibilidade de coisas que funcionam bem. Mas isso vai levar algum tempo, porque o capital paciente [endividamento de longo prazo e baixo custo] se tornou disponível apenas recentemente”, diz.

Ele acredita que há benefícios quando multinacionais dão origem à produção local através de agricultores contratados, ou se centros comerciais agrícolas são ampliados para permitir que comunidades usufruam de infraestrutura cara e em grande escala como os sistemas de irrigação.

“Achamos que esse modelo é o único caminho para certas culturas, especialmente de grãos, como arroz, atingirem níveis de produtividade que permitam enfrentar o problema da insegurança com os alimentos. Se você consegue garantir os mercados para os agricultores, isso coloca você em um bom lugar. Mas é preciso fazer mais do que isso. É preciso ajudar os agricultores a se tornarem mais produtivos”, afirma o diretor da AgDevCo.

Isaac está baseado em Moçambique, um país pobre com estimados 36 milhões de hectares de terras aráveis e cultiváveis, dos quais menos de 16% são produtivas, de acordo com dados da ONU. O país vem atraindo um interesse significativo dos investidores estrangeiros em projetos de biocombustíveis, cultivo de arroz e plantações de florestas.

Mas alguns têm fracassado, enquanto outros entram em conflito com comunidades locais. Moçambique também ilustra bem o estado subdesenvolvido da agricultura doméstica em muitos países africanos – dois terços dos agricultores moçambicanos labutam em dois hectares ou menos, enquanto 42% das fazendas não conseguem garantir segurança alimentícia para suas famílias ao longo do ano, segundo um relatório da ONU.

“Se não houver investimentos privados, tecnologia e capacitação, será muito difícil para o setor agrícola ir além de onde está hoje”, diz Isaac.