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Agroindústrias

Disputa acirrada pela Doux na França

Quinze empresas já apresentaram propostas para comprar a Doux na França, mas nenhuma brasileira.

Disputa acirrada pela Doux na França

O futuro do grupo francês Doux, maior produtor europeu de frango, deverá ser decidido em meados deste mês. Por enquanto, 15 empresas se declararam candidatas à compra total ou parcial da companhia, disse ao Valor o administrador judicial da Doux, Régis Valliot. Nenhuma delas é brasileira. Nem mesmo a JBS, que arrendou em maio todos os ativos da Doux Frangosul, subsidiária no Brasil, entrou no páreo até ágora.

A Justiça francesa está correndo contra o relógio para encontrar o “salvador” do grupo, em recuperação judicial desde 1º de junho. O prazo para a entrega das propostas de compra da empresa vence nesta quinta-feira. E a decisão do tribunal de comércio de Quimper, na Bretanha, deverá ser anunciada cerca de dez dias depois, um prazo recorde. Entre os potenciais compradores há um pouco de tudo: “duas ou três” multinacionais, segundo Valliot, além de empresas francesas dos segmentos de frango e cereais, grupos europeus, americanos e até cooperativas agrícolas.

O administrador não revela quem são os interessados, mas alguns nomes vêm circulando na imprensa da França, como as companhias nacionais LDC, de aves (que já comercializa as marcas Gaulois, Loué, Maître Coq), Glon Sanders, (líder francesa da área de alimentação animal), Tilly Sabco (exportadora) e Coop de France. Também estaria em gestação a criação de um consórcio entre as empresas Terrena, Unigrains e Glon Sanders visando à aquisição.

A meta do governo e da Justiça da França é que a Doux seja comprada integralmente, evitando que o grupo acabe “dessossado” em várias partes. “Vamos favorecer a oferta de compra total, mas isso dependerá da qualidade das propostas”, afirma o administrador judicial. O novo ministro francês da “recuperação do setor produtivo”, Arnaud Montebourg, disse na segunda-feira que o governo privilegia uma “solução global e francesa” para a Doux. “Recusamos a estratégia de desmembramento”.

Se só a partir de meados de julho será possível saber se a Doux terminará ou não em pedaços, o futuro da Doux Frangosul – que teve suas unidades arrendadas pela JBS por dez anos com opção de compra – também é incerto. As ações da filial brasileira integram o processo de recuperação judicial e poderão ser adquiridas pelo eventual novo controlador da Doux, explica Valliot.

Ou seja, quem comprar o grupo vai levar o capital da empresa no Brasil. Será um controlador que terá de negociar com a JBS a aquisição dessas unidades de produção arrendadas, afirma o administrador judicial. E, ainda, encontrar uma solução para as dívidas da filial no Brasil, que totalizam R$ 1 bilhão, incluindo débitos fiscais, trabalhistas e com fornecedores. O passivo com os bancos supera a marca de R$ 500 milhões.

“As ações da filial brasileira são um presente de grego para qualquer um”, diz o administrador judicial, que ainda não conhece, no entanto, os detalhes do contrato de arrendamento feito pela JBS.
 

O presidente da JBS, Wesley Batista, declarou recentemente que a empresa planeja iniciar ainda neste ano as negociações para adquirir as operações da Doux Frangosul no Brasil. Segundo ele, o interesse, desde o início da conversa com o comando da Doux, era adquirir a filial brasileira, o que só não ocorreu devido à necessidade de uma solução emergencial para preservar os 1,5 mil criadores integrados e os cerca de 6 mil funcionários da empresa.

Como o plano de recuperação da Doux prevê que as ofertas de compra de toda a empresa ou de partes dela sejam feitas até quinta-feira, em tese a JBS deveria apresentar uma oferta pela operação do Brasil, o que não aconteceu até agora. Questionada na segunda-feira se iria fazer a oferta, a companhia disse que não comentaria, pois está em fase de due dilligence da Doux Frangosul.

Com o mesmo argumento, a JBS também declinou de comentar o que ocorrerá no caso de o controle da empresa francesa ser adquirido em sua totalidade. A companhia brasileira não respondeu se venderia as unidades arrendadas ao novo controlador ou se compraria as ações correspondentes à operação no Brasil. O Valor apurou que a JBS, no momento, não está preocupada com o desfecho dessas questões, já que tem um contrato de aluguel das fábricas por dez anos.

A Doux – que acumula uma dívida bancária de cerca de € 430 milhões, quase a metade no Brasil – conseguiu resistir até o primeiro semestre deste ano, mas suas dificuldades são antigas. Uma fonte ligada ao grupo atribui os problemas à crise financeira mundial, em 2008, afirmando que a falta de crédito provocada pela deterioração do cenário econômico comprometeu as atividades da empresa, que teve de pagar juros mais altos em seus empréstimos antigos. Somente com o Barclays, o passivo é de € 144 milhões.

O administrador judicial tem outra explicação. Para ele, o problema da Doux é a sua divisão de produtos in natura, que não consegue competir com outros distribuidores e é cronicamente deficitária. Além disso, a empresa “é muito endividada”.

Em 2009, o grupo já havia tentado vender suas atividades na Europa e no Brasil. Naquele ano, esteve muito perto de fechar negócio com a Sadia, então uma companhia independente. Mas o episódio dos derivativos, que fez a Sadia ter perdas bilionárias e precipitou sua incorporação pela Perdigão e a posterior criação da BRF – Brasil Foods, inviabilizou a operação.

No ano seguinte, o controlador Charles Doux, filho do fundador do grupo, fez os primeiros contatos com a JBS. No entanto, as conversas não avançaram porque, segundo o próprio presidente da JBS, a empresa brasileira não tem interesse em atuar na área de aves na Europa.

A Doux tenta hoje resolver situações de emergência diárias e reconstituir seu caixa para continuar funcionando. Recentemente, o grupo vendeu, por € 22 milhões, a filial Stanven, situada na Bretanha, que fabrica proteínas de frango para animais de companhia. De acordo com informações do administrador judicial, a empresa precisa levantar aproximadamente € 40 milhões para financiar suas atividades durante o chamado “período de observação” de seis meses, que expira no fim de novembro.

Uma fonte da Doux afirma que o grupo já teria conseguido obter cerca de € 30 milhões (a venda da Stanven permitiu desbloquear outros créditos bancários). Em junho passado, em decorrência das dificuldades com fornecedores e produtores, a companhia deve ter registrado na França um prejuízo de € 10 milhões, conforme o administrador judicial.

Uma outra filial, também especializada na alimentação animal, estimada em € 20 milhões, poderá ser vendida no curto prazo, segundo o jornal “Le Figaro”.

Do lado dos trabalhadores da empresa, o objetivo é evitar demissões, seja qual for o destino da Doux, afirma Jean-Pierre Rouet, da Confederação Geral dos Trabalhadores, encarregado das questões sindicais da Doux na Bretanha, onde se localiza a sede da companhia.

Na França, a empresa tem 3,4 mil funcionários. Indagado se a eventual aquisição por uma empresa estrangeira seria uma preocupação, Rouet disse que o “importante é preservar o know-how e os empregos”. Em 2008, trabalhadores do grupo protestaram vestidos de verde e amarelo e ao som de batucada contra o fechamento de três fábricas na Bretanha. Eles alegavam que a Doux estava privilegiando sua implantação no Brasil, país que hoje é sinônimo de problemas e dívidas para o eventual novo comprador.