As novas medidas protecionistas que o governo argentino deve aplicar a partir de quarta-feira causaram incerteza entre as empresas que exportam para o país vizinho. Sem saber o real efeito que as mudanças podem ter nas vendas para a Argentina, algumas empresas começaram a alterar procedimentos de produção e exportação para o país vizinho.
A fabricante de calçados West Coast, que tem 30% de sua exportação destinada aos argentinos, diz que após o anúncio das medidas recebeu duas encomendas do país vizinho, mas não colocou os pedidos em produção. A empresa tem 7.000 pares de calçados esperando liberação para desembaraço em território argentino desde outubro. A intenção era que os calçados fossem vendidos no Natal, conta o diretor de mercado da empresa, Eduardo Smaniotto. Segundo ele, outros 30 mil pares devem ser enviados aos argentinos, mas começaram a ser produzidos antes das novas medidas, em novembro.
“Ainda não sabemos os efeitos práticos das novas exigências e nem como vão funcionar”, diz o diretor, que planeja viajar nos primeiros dias de fevereiro para verificar pessoalmente a aplicação das medidas. Caso elas não afetem ainda mais os embarques para o país vizinho, explica Smaniotto, as encomendas dos argentinos passarão a ter prioridade na linha de produção para que os pedidos sejam atendidos a tempo.
A principal mudança anunciada pelo governo argentino é a declaração jurada de importação. No documento, o importador deve declarar o que vai desembarcar e solicitar autorização para as operações. Há receio de que haja atrasos na liberação da importação ou no desembaraço de mercadorias.
A Döhler, empresa catarinense que produz têxteis para casa, reduziu a fatia das exportações para 7% do faturamento como estratégia após a valorização do câmbio, mas ainda destina 32% das vendas externas à Argentina. “Já é difícil entender as regras em andamento, quanto mais as novas”, comenta Carlos Alexandre Döhler, diretor comercial da empresa, que está tentando ser ágil para minimizar os efeitos da mais nova medida de controle argentina. “Não adianta dar murro em ponta de faca. Estamos tentando descobrir como funciona esse documento. Vamos tentar nos adaptar.”
O protecionismo argentino já resultou, porém, em ajustes de produção na Döhler. “Um pedido de produto exclusivo que vem da Argentina agora só é processado depois que o nosso cliente consegue a guia de liberação. Depois de aceito, temos que dar preferência a essa encomenda, senão o cliente perde a licença.” Além disso, diz Döhler, a área comercial da companhia agora procura exportar mais produtos da linha do mercado brasileiro, mesmo com alguma resistência dos argentinos. “Estamos procurando fugir das exclusividades.” Antes dessas mudanças, mercadorias da Döhler já chegaram a ficar cinco meses barradas pela Argentina.
O diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel, acredita que as exportações mais prejudicadas serão as de produtos exclusivos, já que, caso eles fiquem retidos por um longo prazo, sua reinserção no mercado interno é muito mais difícil. “O mercado argentino é parecido, mas não é igual ao daqui”, diz. Ele lembra que o produto brasileiro tem perdido mercado. “Há cinco anos, o Brasil representava cerca de 45% do que a Argentina importava de têxteis e confeccionados, e isso despencou para 23%.”
A gaúcha Randon, que tem fábrica na cidade argentina de Rosário, possuía uma autorização de licença automática, que permitia à empresa embarcar componentes para o país vizinho sem dificuldades. O benefício, porém, expirou em 18 de janeiro, informa o diretor-executivo da divisão de implementos da Randon, Norberto Fabris. Segundo ele, a empresa espera conseguir manter os desembarques sem problemas na Argentina.
Fabris diz que há preocupação com a eventual demora para liberação da declaração de importação. “Se a autorização acontecer em prazo de 10 a 15 dias, não há problema. Mas, se demorar 60 ou 90 dias, ficaremos desabastecidos e teremos de parar a produção na Argentina”, diz.
A Randon exporta do Brasil cerca de US$ 20 milhões ao ano para a Argentina, entre componentes e implementos não fabricados no país vizinho. A fábrica argentina tem faturamento próximo a US$ 40 milhões. Desse valor, US$ 12 milhões são resultantes de vendas para o Brasil e outros países da América do Sul.
O diretor da Randon lembra que em 2011 a empresa investiu US$ 5 milhões na fábrica argentina. Parte dessa aplicação deverá possibilitar a duplicação da capacidade de produção em Rosário. Fabris diz que a fábrica argentina já mantém 80% de nacionalização e emprega 160 pessoas. “Não seria de bom senso a Argentina aplicar uma medida que prejudique os investimentos produtivos.”
“Ninguém sabe de que forma o governo brasileiro vai reagir. Existe uma grande preocupação”, diz Ulrich Kuhn, presidente do Sintex, sindicato que reúne indústrias de tecelagem e vestuário de Blumenau (SC). A região, diz, vende cerca de US$ 40 milhões ao país vizinhos. Com o novo controle, esse comércio pode se reduzir pela metade, avalia ele. “Com restrições maiores, o cliente argentino já pensa duas vezes antes de fazer uma encomenda às nossas indústrias. Ele não sabe se vai receber. É uma compra de brincadeira.”
Diogo Serafim, gerente institucional da Assintecal, associação que reúne fabricantes de componentes para calçadistas, diz que, paralelamente às negociações dos governos dos dois países, representantes do segmento devem embarcar nos próximos dias para a Argentina para verificar as condições de exportação com as mudanças. A Argentina representa 23% do total exportado pelo segmento.