França e Estados Unidos articulavam ontem a realização de uma reunião telefônica na quarta-feira com o intuito de verificar se há necessidade de o G-20 dar uma resposta à alta de preços dos alimentos provocada pela pior seca nos últimos 50 anos nos EUA. A ideia é convocar o primeiro encontro do Foro de Reação Rápida – instância criada em 2011 para oferecer uma contrapartida em caso de forte tensão nos mercados e prevenir uma crise alimentar mundial – entre o fim de setembro e o começo de outubro, em Roma.
O Valor apurou que o plano é evitar, de um lado, que países produtores de commodities agrícolas restrinjam as exportações e, de outro, que importadores se apressem em acumular enormes estoques de cereais. Nos dois casos haveria uma explosão de preços com capacidade de deflagrar uma nova crise alimentar mundial.
No entanto, as reações entre diferentes negociadores foram variadas. Alguns deles avaliaram que a convocação do foro poderia gerar mais pânico no mercado, levando-se em consideração que os EUA vão perder um sexto de sua colheita de milho e o prejuízo já provocou alta de 23% nos preços do grão desde julho.
A própria Agência das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) insiste que a situação atual é bem diferente da crise de 2007-2008. Vários fatores influenciam a visão da agência: os estoques de trigo permanecem elevados, os preços do arroz (principal commodity na Ásia) estão estáveis e vários produtos não negociados em bolsa apresentam boas colheitas, como o feijão e a mandioca.
Contudo, o ministro da Agricultura da França, Stéphane Le Foll, observou que o relatório do Departamento de Agricultura americano (USDA) divulgado na semana passada confirma a degradação das perspectivas das colheitas de milho e soja nos EUA. A avaliação de Le Foll fez com que certos negociadores indagassem se a França teria algum benefício político em convocar a reunião para uma situação que na prática, segundo eles, ainda não exige tal posição.
Mas para outra parcela de negociadores, uma resposta conjunta do G-20 é vista como positiva, pois faz com que os países se comprometam a evitar os erros cometidos em 2007 e 2008. Na ocasião, a crise alimentar foi impulsionada pela decisão de vários países restringirem as exportações, inclusive a própria Índia, que é uma importadora agrícola. Outra consequência foi a corrida dos importadores para reforçar enormemente os estoques.
A atuação de China e Tailândia no mercado de arroz foi responsável pelo aumento de 30% nos preços do cereal. Em 2010, a Rússia impôs embargo total a suas exportações de trigo após uma severa estiagem, o que ajudou para a explosão dos preços no mercado internacional. A Argentina impõe taxas sobre suas exportações que também restringem o comércio.
Para a FAO, portanto, a resposta deveria começar pelo engajamento dos países na manutenção dos níveis de exportações e não pela adoção de medidas políticas unilaterais. José Graziano da Silva, diretor-geral da FAO, também propôs que os EUA suspendam temporariamente seu mandato de produção de etanol. A ideia é que a obrigatoriedade da mistura de 10% do bicombustível na gasolina diminua para cerca de 8% até que os efeitos da seca estejam distantes.
Para Conception Calpe, especialista em preços agrícolas da FAO, os países africanos, no cenário atual, podem ser os mais atingidos, mesmo que tenham investido em agricultura desde a crise de 2007. Já os produtores latino-americanos levam vantagem com essa situação e podem se beneficiar dos altos preços se não restringirem as exportações, medida que parece fora do radar nos países da região.