Crítico ferrenho do protecionismo cambial das economias avançadas, o Brasil se vê agora na desconfortável situação de justificar as suas próprias ações. Ontem, no discurso feito na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a presidente Dilma Rousseff rechaçou as acusações de que o Brasil está colocando barreiras ilegítimas à competição estrangeira.
“Não podemos aceitar que iniciativas legítimas de defesa comercial por parte dos países em desenvolvimento sejam injustamente classificadas de protecionismo”, afirmou a presidente, fazendo o discurso de abertura da reunião, que tradicionalmente cabe a um brasileiro.
O Brasil tem sido acusado por países desenvolvidos, de forma crescente, de protecionismo comercial. A mais recente reclamação foi feita pelo representante comercial americano, Ron Kirk, em carta ao ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, referindo-se aos movimentos do Brasil para aumentar tarifas de importação de centenas de produtos. “O aumento de tarifas pelo Brasil claramente representa uma medida protecionista”, afirma Kirk na carta entregue ao Itamaraty na semana passada, que recebeu uma dura resposta das autoridades brasileiras.
Em seu discurso na ONU, Dilma não citou a polêmica em torno do aumento de tarifas. Mas se referiu a ele de forma indireta, ao defender a tese de que as ações dos emergentes não se constituem protecionismo, e sim legítima defesa comercial, porque estão amparadas pelas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). A presidente afirmou, no discurso, que “o protecionismo e todas as formas de manipulação do comércio devem ser combatidos, pois conferem maior competitividade de maneira espúria e fraudulenta”.
As acusações de protecionismo enfraquecem o discurso feito pelo Brasil até aqui de que é uma das principais vítimas das chamada “guerra cambial”, uma expressão usada há dois anos pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, para denunciar a competição comercial desleal produzida pela manipulação cambial por países emergentes e desenvolvidos.
Há pelo menos duas facetas da chamada guerra cambial. Uma é a subvalorização de moedas asiáticas, sobretudo da China, por meio de pesadas intervenções no mercado de câmbio. A outra faceta são as políticas monetárias extremamente relaxadas de economias desenvolvidas, que ampliam a liquidez no mercado internacional e levam à perda de valor de moedas fortes como o dólar e o iene japonês.
Na ONU, Dilma concentrou sua artilharia nos países desenvolvidos. “Os bancos centrais de países desenvolvidos persistem em uma política monetária expansionista, que desequilibra as taxas de câmbio”, afirmou. “Com isso, os países emergentes perdem mercado, devido à valorização artificial de suas moedas.”
Ela, no entanto, fez um discurso mais técnico, mostrando que a rápida consolidação fiscal em alguns países avançados causa desaceleração econômica, deixando nas mãos dos bancos centrais a tarefa do superdosar a política monetária para estimular a atividade.
Dilma defendeu que organismos multilaterais, como a ONU, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial assumam a tarefa de coordenar a ação monetária e fiscal de seus membros, como forma de impedir o aprofundamento da recessão e de controlar a chamada guerra cambial.
Na entrevista coletiva que concedeu no hotel St. Regis, onde está hospedada, depois de seu discurso na ONU, Dilma afirmou que o Brasil teve que se defender da chamada guerra cambial por meio de uma adoção de um novo mix de juros e câmbio. “Tivemos que procurar nos defender”, afirmou a presidente. “Nós mudamos o mix câmbio-juros”, afirmou
Ela não detalhou o que seria esse novo mix de juros e câmbio. Nos últimos meses, porém, o governo impôs medidas de controles de capitais, e o Banco Central passou a atuar mais forte no mercado cambial, levando à desvalorização do real, ao mesmo tempo em que reduzia os juros básicos da economia para os menores níveis da história.
Dilma falou da atitude “defensiva” brasileira ao descrever a chamada guerra cambial e ao propor que os países adotem um novo pacto de crescimento, dois temas preponderantes em seu discurso na abertura da ONU.
Didaticamente, explicou que a maciça expansão monetária feita por países desenvolvidos está levando à desvalorização de suas moedas e à valorização da taxa de câmbio dos países emergentes. “A moeda desvalorizada é um dos mais conhecidos instrumentos de competição internacional”, disse ela para os jornalistas. “Apesar de não estar previsto [nas regras comerciais internacionais] como um elemento artificial de concorrência, é um elemento artificial de concorrência”, afirmou.
A presidente brasileira rechaçou as acusações de que o Brasil está caminhando para o protecionismo. Dilma citou um ranking recente divulgado pela Global Trade Alert qua mostra que o Brasil impõe menos medidas classificadas como protecionistas do que outros países ocidentais e que, quando consideradas as medidas de liberalização, o país aparece como um dos que menos fecharam sua economia.
“Os países deveriam formar um novo pacto em vez de apontar o dedo uns par aos outros”, disse. Segundo ela, os países deveriam encontrar políticas de recuperação que, quando adotadas, não atinjam uns aos outros.
Dilma informou aos jornalistas que o acordo para a compra de aviões da Embraer foi um dos temas discutidos em telefonema com o primeiro-ministro da Turquia, Recep Erdogan. Questionada se houve avanços na negociação, ela disse que “sim”. “Agora está naquela fase de discutir os preços”, disse a presidente, sem fornecer mais detalhes. Além de Embraer, outro tema discutido com o primeiro-ministro turco foi a crise da Síria. Segundo ela, o Irã não foi tema de discussão.
A presidente negou que tenha discutido um acordo de livre comércio em reunião na segunda-feira com o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso. “Acordo de livre comércio seria um tema do Mercosul”, disse, procurando deixar claro que não está atropelando os demais membros do bloco econômico regional.
Na segunda-feira, o ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, havia sugerido que a conversa de Dilma com Durão foi para retomar as negociações de livre comércio entre União Europeia e Mercosul. “Vamos tentar agendar uma reunião negociadora do acordo birregional entre Mercosul e União Europeia no mês de outubro. E deverá ser organizada uma reunião de cúpula entre Brasil e União Europeia, um compromisso anual que a princípio fica para janeiro de 2013”, disse Patriota. Apesar de negar negociações para esse acordo de livre comércio, Dilma destacou a importância de aprofundar as relações comerciais entre o Brasil e a Europa.