O tema produção de alimentos x produção para exportação é recorrente. Normalmente se confunde agricultura familiar com produção de alimentos para os brasileiros e agricultura empresarial com produção para exportação. A ideologia reza que produzir alimentos para a população é bom, a produção para exportação é nefasta. A cada movimento dos chamados “setores organizados da sociedade” essa discussão vem à tona. A hedionda agricultura empresarial, além de estragar o ambiente, deixa o coitado do brasileiro com fome. Será?
A migração da população para as cidades tem sido importante também no Brasil. Na sociedade moderna, urbana, com marido, mulher e filhos trabalhando fora e com mais dinheiro disponível, muda o hábito alimentar. E também o prato típico, o arroz com feijão em algumas regiões, e a mandioca, em outras. Enquanto é reduzido o consumo de alimentos amiláceos, que dão trabalho para serem preparados, aumenta o consumo de frutas, verduras, legumes, carnes, bolos, leite e derivados e, lógico, de pratos prontos. Essa é uma tendência mundial. Recente pesquisa da Kantar Worldpanel revelou que, somente nos últimos 3 anos, a participação do arroz com feijão no gasto com alimentação dentro de casa caiu 4 pontos porcentuais. O interessante é que, no mesmo período, o preço real do arroz caiu 5,08 % e do feijão carioca 2,74 %. A queda de preços deveria resultar em aumento no consumo, que não ocorreu. Uma consequência da mudança no hábito alimentar.
E como tem se comportado o lado da produção? Tem faltado arroz e feijão, de modo a tornar legítima a alegação dos “setores organizados”? Nos últimos 10 anos, a produção de arroz no Brasil cresceu 139 mil t/ano. Não é muito. Mas o consumo cresceu apenas 66 mil t/ano. Mesmo com o aumento na população. Isso se explica por que o consumo anual per capita diminuiu de 70 kg para 66 kg. O consumo de feijão per capita tem se mantido próximo a 16,5 kg nos últimos 10 anos, e tem sido atendido pela produção nacional. Em outras palavras, o Brasil é auto-suficiente em alimentos básicos. Tem ocorrido importações e exportações eventuais, em quantidades relativamente pequenas. Se forem computadas as importações e exportações de arroz e feijão nos últimos 10 anos, a conta fica próxima de zero.
Assim, cabe a pergunta: deve-se estimular a produção de arroz e feijão ou das culturas de exportação e produtoras de energia? Todas as previsões indicam que o Brasil deverá continuar a crescer, com melhoria da situação econômica da população. Isso resultará em menor consumo de arroz, feijão e outras amiláceas, em função da mudança no hábito alimentar. Então produzir alimentos amiláceos para quem? Se a tendência de consumo é declinante, maior produção resultaria em menores preços, inviabilizando a produção, uma vez que as oportunidades de exportação para esses produtos são limitadas. Por outro lado, o aumento de produção de produtos energéticos e para exportação gerará renda, empregos e riqueza. A riqueza gira a economia, melhorando a vida de todo mundo.
Em resumo, lógico que é necessária, e será ainda por muitos anos, a produção dos alimentos básicos, mas a história recente tem mostrado que o equilíbrio entre a produção de alimentos, culturas energéticas, matérias primas e grãos para exportação tem sido muito bom no Brasil, não justificando mudanças drásticas no sistema.
Por Ciro Antonio Rosolem, membro do Conselho Científico para Agricultura Sustentável (CCAS) e professor titular da Faculdade de Ciências Agrícolas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FCA/Unesp Botucatu).