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Economia

Brasil sem choro pela Argentina de Moreno

Governo e empresários do Brasil fazem esforço para evitar conflito aberto com Argentina, mas aumenta o descontentamento com o país vizinho.

Brasil sem choro pela Argentina de Moreno

Há um esforço visível dos dirigentes da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) para evitar que as escaramuças dos exportadores brasileiros com a aduana argentina se transformem em conflito aberto. Há esforço do governo brasileiro para reconhecer que, apesar das barreiras argentinas, o Brasil mantém superávit no comércio com aquele país, uma economia em luta para evitar a deterioração de suas contas externas. Mas há um profundo desgaste com a Argentina no Brasil; autoridades brasileiras devem convidar empresários, em breve, para discutir um provável endurecimento no trato com os vizinhos.

Sinal do esgotamento da paciência no governo brasileiro foi a reunião de quinta-feira passada, na Fiesp, com empresários e representantes dos governos dos dois países, marcada para tratar de negócios. O secretário do Comércio Interior da Argentina, Guillermo Moreno, truculento inspirador e gerente do atual protecionismo argentino, negou divergências no campo bilateral. As relações bilaterais se “solidificaram”, garantiu, mantendo na face uma expressão sólida como madeira de lei.

Moreno ouviu da secretária de Comércio Exterior do Brasil, Tatiana Prazeres, queixas maciças contra o crescente desvio de comércio provocado pelas barreiras comerciais argentinas. Usando dados do Indec, o instituto de estatísticas argentino, a secretária disse – e publicou, no site do ministério na internet, que as vendas do Brasil à Argentina caíram 19,4% entre janeiro e setembro na comparação com o mesmo período de 2011, enquanto se reduziram em apenas 3,4% as vendas dos outros países ao sócio brasileiro no Mercosul.
 
Tatiana Prazeres poderia ter sido mais detalhista. O Indec mostra que, nos primeiros nove meses do ano, as importações argentinas de outros fornecedores aumentaram em 1,6% nas compras de máquinas agrícolas; em 2,2% nas de autopeças; em 25% nas de têxteis e confecções; e em 54% (!) nas de eletrodomésticos da linha branca. Nesse período, o país reduziu essas mesmas importações provenientes do Brasil em, respectivamente, 13%, 9%, 12% e 19%.

O Brasil chegou a perder 10% de sua fatia de mercado em eletrodomésticos da linha branca para outros países. Em têxteis e confecções, a perda chegou a 7%.

Para se fazer justiça aos argentinos, é preciso registrar que os brasileiros foram menos afetados que seus concorrentes estrangeiros no setor de calçados, um dos que mais estão sentindo a arbitrariedade das barreiras argentinas – e se queixando delas. A queda nas exportações brasileiras de calçados ao vizinho foi de 29% entre janeiro e setembro, na comparação com os primeiros nove meses de 2011; mas as exportações de outros países aos argentinos caíram 33%. O Brasil aumentou sua fatia no mercado de calçados importados de 49,6% para 51% de janeiro a setembro.

Há casos raros de aumento de importações com preferência argentina pelo produto brasileiro em relação ao de outros países: fumo e toucinho são os mais relevantes. Em compensação, os argentinos compraram 39% a mais em automóveis de outros países e reduziram em 9% suas compras do Brasil – que, de 70% do mercado argentino para carros importados, passou a 60%.

A carne suína, outro caso raro em que a queda de importações foi mais sensível para os concorrentes que para os brasileiros, passou a enfrentar problemas sérios desde setembro, quando, sob alegações de barreiras no Brasil ao limão argentino, Moreno impôs sua mão pesada sobre os embarques dessa mercadoria para a Argentina.

Outro parêntese para dar uma grama de razão aos argentinos: segue líquida e certa a injustificável barreira sanitária contra os camarões argentinos, sustentada pelo lobby dos produtores brasileiros agasalhado pelo Ministério da Pesca no Brasil, por motivos políticos.

O espantoso é que o desvio de comércio provocado pela fixação dos fiscais de Moreno com os produtos brasileiros beneficiou praticamente todos os grandes parceiros da Argentina, à exceção do Chile, em detrimento do Brasil. Ainda assim, alguns desses países entraram com queixas contra os argentinos na Organização Mundial do Comércio (OMC). O Brasil, por enquanto, segue exercitando sua “paciência estratégica”.

Comparando-se janeiro e setembro de 2011 com o mesmo período deste ano, a parcela no total de importações argentinas que coube à União Europeia aumentou de 15,7% para 18,4%; a dos países da América do Norte, de 14,7% para 16,7%; a do Japão, de 1,8% para 2,1%. A China permaneceu com 13,7% e o Brasil, que teoricamente manteria com os argentinos uma união aduaneira com livre trânsito de mercadorias entre as fronteiras, caiu de 29,6% para 26%.

No período mais recente, o desvio do comércio se tornou ainda mais acentuado. Na comparação entre o total das importações entre junho e setembro de 2011 e 2012, a parcela do Brasil caiu de 28,6% para 24,6%, a do Chile, 0,1% e a da Coreia, de 2,2% para 1,7%. Mas subiram as fatias de mercado dos países da América do Norte (de 13,5% para 17,3%); da União Europeia (de 15,1% para 17,3%), China (2,5% para 3,1%) e Japão (1,8% a 2,1%), entre outros.

Os brasileiros consideram inaceitável essa perda relativa de mercado no seu principal sócio no Mercosul. A Argentina tem, no entanto, pelo menos três pontos a favorecer uma melhoria em suas contas externas no ano que vem, abrindo espaço a uma administração mais flexível de suas alfândegas: o serviço da dívida menos pesado em 2013 reduzirá a necessidade de recursos em moeda estrangeira, e a melhor safra de soja e o crescimento da economia brasileira devem garantir um volume maior de ingressos.

Um velho produtor argentino costumava dizer que a crise gera oportunidades em todo mundo, mas, na Argentina, as oportunidades costumam gerar crises. Seria bom imaginar que a frase não passa de um dito espirituoso e que a Argentina encontrará inteligência política para sair da crise em que anda se metendo, ao som cada vez mais alto de panelas batidas nas ruas por uma crescente oposição.

Sergio Leo é repórter especial em Brasília e escreve às segundas-feiras

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