Agrônomo, geneticista, há 26 anos trabalhando na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Maurício Antônio Lopes assumiu a presidência da instituição no dia 15 de outubro passado. Começou a carreira na Embrapa Milho e Sorgo, de Sete Lagoas (MG), onde trabalhou como melhorista de milho. Foi gerente de pesquisa da unidade, depois trabalhou na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília, onde chefiou o departamento de pesquisa e desenvolvimento. Seu último cargo foi o de diretor de pesquisa e desenvolvimento da empresa. Teve também uma temporada junto à FAO (Agência para Alimentação e Agricultura da Organização das Nações Unidas), em Roma, e coordenou o programa de cooperação da Embrapa na Ásia, baseado na Coreia do Sul.
> Qual é o objetivo dessa expansão da Embrapa no exterior?
Maurício Antônio Lopes > A cooperação internacional começou há 12 anos com o programa Labex – Laboratórios Virtuais no Exterior. O grande objetivo é que a Embrapa esteja em contato com a fronteira do conhecimento na área de ciência e tecnologia para a agricultura. O conhecimento que aparece nos jornais e nas revistas científicas é um conhecimento do passado. Um conhecimento novo, até chegar a ser publicado, são dois anos ou mais. O fato de estarmos com profissionais lá onde a inovação está acontecendo numa velocidade muito grande nos dá uma enorme vantagem. Mais recentemente, a cooperação técnica sul-sul foi reforçada. Somos líderes na agropecuária tropical e temos muito com que contribuir e cooperar com os países do sul que querem desenvolver sua agricultura, especialmente na África e na América do Sul.
> Com as multinacionais no agronegócio brasileiro, como fica a competitividade da Embrapa?
Lopes > Já saíram na imprensa muitas análises dizendo que a Embrapa perdeu o bonde da história, que perdeu competitividade, que o empresário brasileiro não tem mais acesso às tecnologias da Embrapa. Não é assim. Por que as grandes empresas investem no Brasil? Porque a Embrapa, as universidades e as outras instituições de pesquisa atuaram no sentido de remover as grandes limitações para o crescimento da agricultura em nosso país. Se não fossem as tecnologias desenvolvidas para melhorar os solos, trazer germoplasma, fazer melhoramento, tropicalizar a soja, o milho, as grandes empresas jamais viriam para cá. O que aconteceu no Brasil é basicamente o que aconteceu em qualquer outro lugar do mundo onde a agricultura se desenvolveu. Entrou o setor público, desenvolvendo tecnologias de base, removendo as grandes limitações e abrindo caminho para o investimento privado. Nós tivemos um fator adicional importante, que foi a aprovação da Lei de Patentes, no final dos anos 1990, e isso deu ainda mais segurança para as empresas privadas fazerem investimento. A Embrapa cumpriu seu papel num momento em que não tínhamos provedor privado. Tivemos mais de 60% do mercado de sementes de soja; eu fui pesquisador e melhorista numa época em que tínhamos cerca de 30% do mercado de milho, e esse quadro mudou. As empresas vieram e de fato elas estão aparelhadas para operar nesses mercados com grande rapidez e com muita eficiência, com uma capacidade de investimento enorme e um foco muito claro no mercado.
> E como fica a Embrapa?
Lopes > Nós somos uma empresa tecnológica, a Embrapa não comercializa sementes. Ela desenvolve a tecnologia e outras empresas levam essa tecnologia para o mercado. Aí sim aconteceu um fato inusitado. Com o advento da biotecnologia moderna, os transgênicos, as grandes empresas, principalmente na área de química, de biotecnologia, quiseram ter acesso a germoplasma e a mercado. Foram para os vários países e compraram as empresas locais. Isso aconteceu de maneira muito forte no Brasil. Houve incorporação pelas multinacionais de um grande número de empresas que existiam aqui no Brasil, muitas delas parceiras nossas. Então, a Embrapa ficou sem seu braço comercial, que eram empresas privadas, grande parte delas empresas nacionais. Isso contribuiu para que o setor público se afastasse, ou perdesse cada vez mais espaço no mercado de sementes.
> E agora?
> Por quê?
Lopes > Nós do setor público temos a obrigação de olhar adiante, de antecipar problemas. Podemos fazer investimentos que tenham uma visão de dez, 15 anos adiante. Estamos antecipando problemas e dificuldades no médio e longo prazos. As empresas privadas normalmente trabalham com uma visão mais de curto prazo. O setor público se retrair desse mercado pode significar um risco muito grande para nós.
> Qual, por exemplo?
Lopes > O impacto das mudanças climáticas globais na agricultura. Quem pode antecipar o que acontecerá em 15 anos com esse aumento gradual da temperatura? Vamos ter eventos cada vez mais extremos, secas, chuvas muito intensas, pragas, doenças cada vez mais agressivas. Vamos ter de buscar novos germoplasmas, novas tecnologias, pensando nesse ambiente.
> O que a Embrapa pensa da agricultura familiar?
Lopes > Temos de ter uma visão plural, porque o Brasil é um país plural. Temos uma agricultura empresarial pujante, mas não podemos esquecer que ainda temos um número muito grande de agricultores à margem do mercado. Sem a incorporação de tecnologia, grande parte dos nossos agricultores não vai conseguir superar os problemas que eles têm. A Embrapa tem um papel importantíssimo a cumprir.
> Como fazer o conhecimento gerado pela Embrapa chegar a esses agricultores?
Lopes > Esse é um gargalo importante. Tenho essa preocupação e quero colocar esse ponto como prioritário da nossa administração. A presidente Dilma está consciente de que é necessário tratar dessa questão e estamos participando de um esforço do governo para a modelagem de um novo sistema. As tecnologias da informação e do conhecimento vão ter de ser mobilizadas para nos ajudar a superar esse desafio. Estamos desenvolvendo na Embrapa um modelo de organização de informação e transferência tecnológica – o web agritec – baseado nas plataformas informatizadas de comunicação, para onde fazemos convergir todas as informações. O produtor poderá acessar essa plataforma por via remota para ter as respostas de que necessita.
> Quais são os planos?
Lopes > Queremos estruturar um núcleo forte de inteligência estratégica. Com capacidade de fazer estudos, análises e antecipar riscos, desafios, oportunidades. A gente ainda reage mais do que planeja e antecipa.