Realizada quase que somente para ganhar tempo, por sugestão dos ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, pouco entusiasmados com a ideia de aprofundar as negociações de livre comércio entre Mercosul e Venezuela, a consulta pública oficial feita a empresários brasileiros sobre o interesse em buscar o acordo com os europeus surpreendeu autoridades, com muito mais apoios à negociação do que imaginava o governo. No entanto, o acordo Mercosul-União Europeia foi um dos temas desdenhados na cúpula do bloco sul-americano, realizada na semana passada.
O assunto pairou, apenas, pela cúpula. O presidente uruguaio, Pepe Mujica, que presidirá o Mercosul nos próximos seis meses, declarou, após encontro com a presidente Dilma Rousseff, ver a crise europeia como uma chance para obter o acordo. O aperto fiscal na Europa facilita a remoção de um obstáculo, os escandalosos subsídios agrícolas europeus, disse Mujica, ao prever que o acordo com a UE seria um dos principais temas em Brasília. Não foi. Na extensa declaração dos presidentes do bloco, após três parágrafos sobre China, o item 50, de 61, fala de “apoio” à negociação com os europeus, por um acordo “abrangente e equilibrado”.
Continua valendo, porém, a advertência levada ao Congresso _ e ao próprio governo _ pelo ministro de Relações Exteriores, Antônio Patriota: para o Brasil, nessa discussão de comércio com a União Europeia, ficar parado não é manter o status quo; é retroceder. Em 2013, o Brasil, por já ter deixado de ser uma economia pobre há tempos, perderá o direito a tarifas mais baixas de importação na Europa, pelo Sistema Geral de Preferências (SGP) _ que hoje facilita a entrada de 12% das vendas do país ao continente.
Com o fim do SGP, exportações brasileiras de produtos tão distintos quanto químicos, autopeças e calçados ficarão mais caras para o consumidor europeu e correm o risco de perder sua já combalida competitividade. Os europeus minimizam o impacto do corte do SGP e falam em queda de apenas 1% nas vendas do Brasil, o que, além de ser muito abaixo do que acredita o governo brasileiro, subestima o impacto sobre alguns dos principais produtos manufaturados vendidos à Europa.
Além disso, os europeus vêm consolidando seu espaço na América do Sul, nos países mais ativos em matéria de acordos comerciais; hoje, o Parlamento Europeu discute a ratificação do acordo de livre comércio com Colômbia e Peru, que deve ser confirmada amanhã e facilitar a venda de produtos químicos e automotivos europeus – entre outros – nesses dois países, abrindo espaço para produtos alimentícios colombianos e peruanos na União Europeia.
A União Europeia reduziu o status do Mercosul em seus planos estratégicos de ampliação de comércio, parte pelas dificuldades em superar seu próprio protecionismo agrícola, parte pelo cenário desalentador exibido pelo crescente protecionismo dentro do Mercosul. Mas, em 24 de janeiro, estarão no Brasil, para um encontro de cúpula do país com a União Europeia, o presidente do bloco europeu, José Manuel Barroso, o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, e o comissário de Comércio, Karel De Gucht. Em seguida, irão reunir-se com o Mercosul, para falar do acordo comercial, durante o encontro de cúpula dos países latino-americanos, no Chile.
Dilma Rousseff emite sinais ambíguos sobre o que pensa da oportunidade com os europeus. Declara apoio às negociações do acordo entre Mercosul e União Europeia, mas demonstra, para pessoas próximas, pouca expectativa de êxito. A verdade é que o próprio Mercosul se afasta das já difíceis perspectivas de um acordo abrangente com a Europa.
Na noite de sexta-feira, após a cúpula em Brasília, Dilma conversou por três horas com a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, sobre travas comerciais entre os dois maiores sócios do Mercosul. À saída, autoridades exibiram sorrisos e declarações otimistas, mas a conversa foi dura.
Dilma cobrou de Cristina o fim da discriminação contra Brasil, que elevou importações argentinas de bens europeus e americanos enquanto reduziu compras dos mesmos produtos originadas do Brasil, sob o controle discricionário do ministro de Comércio Interno argentino, Guillermo Moreno. Os brasileiros ouviram também queixas de barreiras brasileiras e concordaram em coordenar melhor o acompanhamento do comércio bilateral e avaliar a situação em encontro de técnicos, em janeiro.
As pouco transparentes barreiras argentinas começam, porém, a tornar-se obstáculo menor aos futuros acordos comerciais do Mercosul, frente à maneira atabalhoada como o bloco busca sua expansão. Semana passada, seis meses após a oficialização da entrada da Venezuela no Mercosul, diplomatas brasileiros comemoravam, durante a cúpula, o tímido avanço das conversas com os venezuelanos para incorporar as normas do bloco e abrir portas ao livre comércio com os sócios.
Foi apresentada como sinal de êxito a decisão venezuelana de adotar, já no ano que vem, o mesmo sistema de classificação de produtos do comércio exterior vigente no Mercosul – passo mínimo a se esperar em um acordo de integração.
Ninguém na região sabe dizer o como serão compatibilizados o status de sócio da Venezuela no Mercosul com a volta do Paraguai, em abril, após as eleições que marcarão a normalização democrática no país. Suspenso do bloco após o precipitado impeachment do presidente Fernando Lugo, o Paraguai rejeitou no Senado a sociedade com a Venezuela. É assim, sem saber como abrigar venezuelanos e paraguaios no mesmo salão, que o Mercosul agasalhou às pressas um protocolo de adesão da Bolívia.
Negociações comerciais do bloco já teriam de prever dois trilhos de discussão; um deles, à parte, só para os venezuelanos. Com os bolivianos em processo de entrada, o Mercosul pode ter assentado uma pedra tumular sobre as perspectivas de participar do processo mundial de formação de acordos de liberalização comercial.
Na próxima coluna, volto a falar da Bolívia, novo sócio.
Sergio Leo é repórter especial e escreve às segundas-feiras