Quando a nave americana Apolo 13 não conseguiu aterrissar na Lua, em 1970, e sofreu severa pane elétrica, um dos astronautas teria enviado uma mensagem sucinta para a Nasa: “Houston, we have a problem” (“Houston, temos um problema”). A declaração sobre “guerra comercial” do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que foi manchete do “Financial Times” ontem e chamou a atenção internacional, é interpretada na mesma linha: “Genebra, temos um problema e é muito grave.”
Mantega já tinha falado de “guerra cambial” em outubro, e agora usou a expressão “guerra comercial” para o público fora do Brasil. Internamente, já havia feito essa vinculação. Na entrevista, ele sinalizou que o Brasil poderia levantar o tema da manipulação das taxas de câmbio na Organização Mundial de Comércio (OMC) para defini-la como subsídio disfarçado às exportações.
O governo brasileiro, porém, não vai abrir contencioso com outros países na OMC. Isso não está no horizonte previsível, pois sabe que não há muito espaço para o país agir na OMC. E não há certeza da oportunidade política de uma ação. Tudo o que fizer é complexo, envolvendo 150 países, às vezes incomodando aliados, e mesmo podendo se voltar contra o Brasil em outro momento. A declaração de Mantega é positiva para alertar sobre o estrago que a manipulação cambial causa e a importância de mantê-la na agenda internacional.
Também não se pode esperar acordo global no G-20, grupo das maiores economias, para acabar com uma guerra de moedas. Podem acontecer pequenos acertos. Mas parece pouco provável que a China ou os EUA sacrifiquem seus interesses em função de um acordo global.
Como oValor já publicou, as regras da OMC sobre câmbio, escritas em 1947, são muito pouco claras. Não há nenhuma medida óbvia para adotar e analistas concordam o quanto é difícil o espaço para fazer alguma coisa. O artigo XV do velho Gatt de “disposições sobre câmbio” interdita aos países membros utilizar medidas cambiais para influenciar no comércio. Mas esse artigo nunca foi utilizado nos 60 anos do sistema multilateral de comércio.
Se um país abrir denúncia contra parceiros por causa do yuan, alegando violação do artigo XV, o denunciante precisa comprovar que a cotação da outra moeda se mantém em nível artificialmente baixo para favorecer suas exportações. Se alegar que a manipulação do câmbio representa subvenção a uma indústria chinesa específica, também terá de provar. E se agir unilateralmente, impondo sobretaxa em produtos originários do país que considerar um manipulador cambial, pode ser retaliado.