Depois de elevar a taxa básica de juro da economia (a Selic) em 0,5 ponto percentual, o Banco Central (BC) passou a ser bombardeado por críticas de dirigentes sindicais, de políticos ligados ao PT e de integrantes da chamada “ala desenvolvimentista” do governo. O bombardeio ainda não atingiu a intensidade observada em passado recente, mas já há sinais de uma luta surda nos bastidores em torno da condução da política econômica. A retomada desse embate talvez resulte do primeiro erro cometido pelo governo Dilma, ao adiar o anúncio do corte de gastos para a obtenção do superávit primário deste ano.
A ideia que chegou a ser discutida pela equipe econômica era a de anunciar os cortes antes da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, marcada para a segunda quinzena de janeiro. Com isso, o governo poderia mostrar o seu compromisso com uma política fiscal austera, que estaria coordenada com a política monetária a ser executada pelo BC para controlar a inflação.
O anúncio antecipado do esforço fiscal criaria as condições, no entendimento da equipe econômica, para que o Copom fosse mais comedido na elevação dos juros. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, chegou a afirmar que o governo iria poupar além da meta de superávit primário para usar os recursos em desonerações tributárias.
O atraso na remessa do Orçamento da União de 2011 ao governo, depois da aprovação pelo Congresso, atropelou a estratégia. Essa dificuldade poderia ter sido enfrentada, mas não foi. A presidente Dilma terminou editando um decreto que limita os gastos da União até a publicação da lei orçamentária. Decreto de contingenciamento, com os detalhes do corte, só sairá em fevereiro.
Não há, até agora, qualquer formalização do compromisso de obtenção da “meta fiscal cheia” este ano, sem o desconto dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Na primeira reunião ministerial do novo governo, o ministro Mantega fez uma longa exposição sobre as perspectivas da economia brasileira até 2014, mas sem qualquer referência à meta fiscal ou ao corte de gastos. Em seus pronunciamentos públicos, a presidente Dilma não esclareceu se o governo pretende perseguir a “meta cheia” de superávit primário.
Copom decidiu sem conhecer o ajuste fiscal
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) estabelece um superávit primário de R$ 117,89 bilhões para todo o setor público este ano, o que é equivalente a 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Desse total, R$ 81,76 bilhões representam a meta do governo central (Tesouro Nacional, Previdência e Banco Central), algo como 2,08% do PIB. A LDO permite, no entanto, que os investimentos do PAC sejam deduzidos da meta do governo central até o montante de R$ 32 bilhões, além dos restos a pagar do PAC de anos anteriores, a serem pagos em 2011. Isso significa que o superávit do governo central poderá ser inferior a R$ 49,76 bilhões, o equivalente a 1,27% do PIB.
Em sua primeira reunião no governo Dilma, portanto, o Copom tomou sua decisão sobre a taxa de juro sem ter um horizonte fiscal claramente definido. Os diretores do BC não poderiam agir em função de um esforço fiscal, que ainda não foi formalizado. O Copom terminou por adotar o consenso do mercado, elevando a taxa de juro em 0,5 ponto percentual e anunciando que este é o início de um processo de ajuste da Selic para fazer a inflação convergir para a trajetória de metas.
O primeiro erro do governo Dilma foi o de não buscar uma coordenação das políticas monetária e fiscal desde o início. O primeiro lance na área econômica abre a perspectiva de uma repetição do que ocorreu em boa parte do governo Lula. Na época, alguns críticos chegaram a qualificar a política econômica brasileira de esquizofrênica, pois enquanto o Banco Central colocava o pé no freio da economia para controlar a inflação, com o aumento da taxa de juro, o Ministério da Fazenda ampliava os gastos reforçando a demanda. Em síntese, não havia coordenação entre as políticas fiscal e monetária.
Como o Banco Central saiu na frente na luta contra a inflação, já há pessoas importantes dentro do governo argumentando que um forte corte nos gastos federais, junto com a elevação da taxa de juro, poderá derrubar a economia brasileira. Essas vozes são reforçadas pelo argumento de que a atual inflação é provocada por um choque de preços das commodities, que está afetando as economias de todo o mundo.
É evidente que o erro inicial poderá ser corrigido facilmente, se houver vontade política. Vários integrantes do governo, em conversas reservadas, anunciaram que um dos objetivos da presidente Dilma é acabar com a descoordenação das políticas fiscal e monetária. Em prol da sintonia fina entre as duas políticas, fontes do governo garantiram que Dilma chamará para si a palavra final nas questões econômicas, evitando divergências públicas. Tudo indica que a presidente terá que fazer isso agora.