Vale do Taquari – O atraso no pagamento das aves fornecidas para a agroindústria é o dilema do produtor Claiton Cristiano Stacke (37). O avicultor de Marques de Souza não está sozinho nessa luta pelo pagamento em dia. A situação é vivenciada por uma gama de outros integrados, que fornecem aves e suínos para empresas produtoras de alimento. Desamparados por uma legislação específica, os produtores ficam à mercê de contratos firmados com as agroindústrias, que nem sempre tratam as partes da cadeia produtiva com equidade. A esperança é de que essa situação seja revertida depois que o projeto de lei (8.023/2010) for votado na Câmara dos Deputados, em Brasília. O tema trata da regulamentação de contratos entre produtores integrados e agroindústrias. A proposta principal é que o acerto entre as duas partes deixe de ser unilateral.
Atualmente, falta aos produtores uma legislação específica que possa balizar as cláusulas estabelecidas, como remuneração e segurança jurídica. Hoje, os contratos são regidos pelo Código Civil, no item que dispõe sobre contratos entre parcerias. No entanto, na prática, as regras desses contratos geralmente são definidas pelas indústrias e oferecem pouca margem de participação aos produtores.
Stacke sente no bolso as consequências do contrato que regulamenta seu trabalho desde 1992. “O pagamento era sempre em 30 dias, mas depois passaram a pagar num prazo de 60, 90 dias. Penso em parar de fornecer, mas fica difícil procurar outra agroindústria.” Hoje, os 28 mil frangos já não passam mais fome no aviário, porque o repasse de rações foi suprido, mas a inadimplência com o fornecimento de aves permanece.
O avicultor se vê de “mãos amarradas” diante da relação com a agroindústria. Para evitar situações de unilateralidade é que esse projeto de lei começa a ser discutido. A proposta abrange contratos entre agroindústrias e produtores de aves e suínos de todos os estados brasileiros. O presidente da Associação dos Criadores de Suínos do Rio Grande do Sul (Acsurs), Valdecir Folador, participou da reunião realizada em Brasília, na qual foram discutidas formas de apressar a votação do projeto na Câmara. “O projeto representa um marco regulatório das atividades desempenhadas entre produtores e agroindústrias. A discussão visa também equidade entre as partes.”
Folador destaca que, se essa lei já estivesse em vigor, a situação dos integrados da Doux/Frangosul, que sofrem com atrasos nos pagamentos, poderia ser diferente. “Com uma regulamentação, talvez, essa questão dos integrados não chegasse ao ponto em que chegou. Em casos como esse, os contratos são firmados com cláusulas unilaterais, em que há mais direitos para as empresas, enquanto os direitos dos produtores ficam reduzidos.” A regulamentação viria para balizar os contratos de modo que ambas as partes teriam subsídios para cobrar o cumprimento do acordo.
Melhorias – A partir da reunião realizada em Brasília, as entidades irão se reunir para discutir detalhadamente todos os itens do projeto de lei. A ideia, segundo Folador, é melhorar a relação entre produtores e agroindústrias. “Cada estado terá uma cópia do projeto para discutir as cláusulas e ver o que poderá ser melhorado. O assunto será tratado também com as agroindústrias, de modo que essa lei seja construída em conjunto”, destaca. O projeto está tramitando desde 1998 na Câmara dos Deputados. A iniciativa de criar uma regulamentação específica para os contratos teve início quando foi excluído do Estatuto da Terra o inciso que auxiliava os contratos de produtores de suínos e aves com as agroindústrias.
As entidades representantes das agroindústrias ainda não se manifestaram sobre o projeto de lei. Conforme explica o diretor executivo do Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos do Rio Grande do Sul (Sips/RS), Rogério Kerber, o tema será discutido na medida em que se iniciarem as tratativas na Câmara dos Deputados. “É um assunto relativamente novo. Portanto, ainda não temos considerações a fazer.”
O que diz o projeto de lei:
Aqui, alguns dos itens previstos no contrato de integração entre produtores e agroindústrias.
– A definição de prazo para aviso-prévio de interrupção do contrato de produção integrada, que deve levar em consideração o ciclo produtivo da atividade e o montante dos investimentos realizados.
– A instituição de Comissão de Acompanhamento e Desenvolvimento da Integração e de Solução de Controvérsias (Cadisc), a quem as partes concordam recorrer para a solução de controvérsias quanto à interpretação de cláusulas contratuais ou outras questões inerentes à relação de integração.
– As sanções para os casos de inadimplemento ou rescisão unilateral do contrato.
Tratativas – A proposta que está na Câmara dos Deputados visa regulamentar as relações contratuais entre produtores e agroindústrias para o fornecimento de insumos e animais em regime de contratação. O presidente da Comissão Nacional de Aves e Suínos da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Renato Simplício Lopes, pediu o apoio dos produtores e entidades representativas. “Se não houver pressão dentro da Câmara, o projeto não terá continuidade e cairá no esquecimento. Por isso precisamos de pessoas que sejam interlocutoras e que busquem apoio dos parlamentares de seus estados para que o projeto seja aprovado o mais rapidamente possível”, afirma.
O impacto do projeto de lei é significativo, já que esse modelo de produção atinge mais de 60% das granjas.