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Economia

Gestão do câmbio

Dólar derrete com aposta em governo mais brando na gestão do câmbio. Novas taxas definidas pelo governo são ineficazes.

A sensação de que o governo mudou de postura na gestão do câmbio abriu espaço para o dólar derreter ontem, um dia depois do anúncio de mais uma medida considerada totalmente ineficaz. Em um único pregão, a moeda americana caiu 1,85% para R$ 1,584, em uma espécie de “estouro da boiada” – tudo o que deixou de recuar nos primeiros dias da semana, quando os rumores sobre uma nova ação contra a valorização do real cresceram nas mesas de operação, ficou concentrado no pregão de ontem. O movimento, na opinião dos especialistas, se baseou na percepção de que o Banco Central será menos agressivo na gestão do câmbio, preocupado com os efeitos sobre a inflação. E de que a Fazenda não dispõe de um arsenal tão poderoso, como vem alardeando o ministro Guido Mantega. “O governo taxou operações externas de até 360 dias e os bancos passaram a fazer com 361 dias; sempre existe um jeito de escapar da nova regra”, explica um operador que prefere não ser identificado. “A estratégia cambial faliu”, acrescenta.

Nos bastidores, a informação é que a “obsessão” que norteou as ações cambiais nos últimos meses ganhou opositores dentro do governo. Isso teria levado a uma postura mais branda do BC, que diminuiu o ritmo das intervenções no mercado nos últimos dia, e também da Fazenda, que queria lançar instrumentos mais heterodoxos.

O que levou a essa mudança de postura teria sido a avaliação de que a ação excessivamente intervencionista teria tido pouco efeito sobre a intensidade do fluxo cambial, que só cresceu no primeiro trimestre, mas agravou a pressão inflacionária. Além disso, qualquer medida mais forte do que as já adotadas significaria partir, efetivamente, para um controle de capitais, o que não é desejado pelo governo. Afinal, há riscos de que a liquidez internacional mude de rumo a partir do segundo semestre, na expectativa pela alta dos juros nos EUA em 2012.

Antes do anúncio de Mantega na quarta-feira, entretanto, o mercado se preparava para alguma ação mais surpreendente. Essa expectativa fez a moeda americana sair do nível de R$ 1,602 (-0,37%) para R$ 1,6150 (+0,44%), na máxima do dia. Como tudo não passou de susto (estender a tributação do IOF de 6% para captações externas com prazo de até 720 dias foi considerado inócuo), o mercado reverteu suas posições no pregão de ontem. “Vimos no discurso do Mantega uma importante mudança de visão. Ele manteve a retórica de medidas para evitar excessos, mas reconheceu que uma certa apreciação do real é inevitável”, diz relatório do banco Barclays Capital, que ajustou sua projeção para o câmbio de uma faixa entre R$ 1,65 e R$ 1,75 para algo entre R$ 1,50 e R$ 1,60, no fim do ano.

Para outro gestor de recursos de um grande fundo americano, o governo percebeu que não tem como segurar a cotação. “O dólar hoje é a fonte de financiamento mundial para a compra de ativos em outros países e a economia terá que se ajustar a uma taxa de câmbio mais apreciada”, disse.

Ontem, a reação do mercado teve um certo exagero, porque havia muitas posições a serem revertidas. Boa parte delas eram opções de compra feitas por quem estava apostando na manutenção do dólar à vista acima de R$ 1,65, e que foram cobertas ontem. Mas ainda se vislumbra mais queda da moeda americana, ainda que em um ritmo mais lento. E também não se acredita que o BC deixará de fazer suas atuações diárias no mercado.

A expectativa é que ele reduza o ritmo de compras, como já está fazendo em abril: a média diária de aquisições nos primeiros quatro pregões do mês está em US$ 240 milhões, de acordo com estimativas do mercado, ante US$ 400 milhões em março. Desde a máxima do dia 28 de março, quando chegou a US$ 1,6614, a queda supera 4%, de acordo com a Ptax, do BC.

Esse ritmo mais brando tem a ver com o foco do governo na inflação. E o câmbio é um elemento importante nessa questão. Os índices de preço têm sentido o efeito da alta dos preços das commodities no mundo, de quase 70% nos últimos seis meses. Só que parte desse efeito poderia ser evitado se o câmbio flutuasse livremente, o que não está acontecendo. Como o Brasil é um grande exportador de commodities, essa valorização de preços tem como efeito o aumento da receita de exportação do país, com consequente valorização do real. Só que é o preço das commodities em reais que afeta a inflação. Por isso, a queda do dólar alivia o efeito da alta desses preços no mercado doméstico. Quando uma das pontas é artificialmente alterada – no caso, a queda do dólar -, a consequência é uma distorção, ou seja, a inflação dispara.

O BC, preocupado com esse efeito, teria decidido “maneirar”, na visão de agentes do mercado. A interpretação de que houve mudança de postura fez preço na curva de juros ontem. Mesmo com o IPCA mais salgado, de 0,79%, os juros de curto prazo tiveram uma reação moderada. O mercado pode estar apostando que, com o dólar mais livre, a inflação tenderá a se acomodar mais rapidamente, sem um aperto monetário muito forte.