Primeiro veio a afirmação: “Os critérios de sustentabilidade dos biocombustíveis que estão sendo impostos pela Europa são barreiras não tarifárias”. Em seguida, o alerta: “Se a soja for prejudicada em sua exportação a Aprosoja pode entrar com ação na OMC [Organização Mundial de Comércio]”.
A frase, postada no Twitter por Glauber Silveira da Silva, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado do Mato Grosso (Aprosoja), dá uma ideia do incômodo que as novas regras da União Europeia para entrada de biocombustíveis no continente causou entre os produtores brasileiros de soja.
Introduzida em 1º de janeiro, as diretivas impõem uma série de critérios ambientais para a importação não só do biocombustível, mas também de grãos e óleos que servem de matéria-prima para a produção local do biocombustível.
Depois de três anos de análises, consultas e debates exaustivos, os reguladores europeus decidiram ir além da exigência de que seus fornecedores estejam em dia com a legislação de seu país. Eles querem agora saber até que ponto determinada produção – seja palma, soja, milho, cana-de-açúcar ou canola – prejudica o ambiente.
Dois pontos específicos estão tirando o sono do setor: um proíbe a plantação de grãos em áreas de pastagens com alta biodiversidade; o outro diz que o biocombustível importado deve ser capaz de reduzir em 35% as emissões de gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento do planeta. Segundo a indústria, não há embasamento científico em nenhum dos casos.
“O que é uma área de pastagem de alta diversidade? Eles mesmos não definem isso”, questiona o economista da Abiove (Associação Brasileira das Indústria de Óleos Vegetais), Daniel Furlan, que acompanha o setor de biodiesel.
A discussão se acirra quando o assunto é a redução das emissões de gases poluentes. A UE estipulou uma “nota de corte” de 35%. Isso quer dizer que, após serem misturados ao combustível mineral nos veículos europeus, o biocombustível deve reduzir em ao menos 35% os gases que joga na atmosfera.
A cana, considerada eficiente, reduz 71%, pelos cálculos da UE, e 90% pelos cálculos da Única (União da Indústria da Cana-de-Açúcar). Já a soja, pela metodologia europeia, reduz a poluição em 31%. “O óleo de soja não passa”, diz Silva, da Aprosoja. “O óleo de soja que representa 42% do total das matérias-primas utilizadas para a produção de biocombustíveis”.
O percentual de redução de emissões do óleo de canola, a segunda matéria-prima mais usada para biocombustíveis e muito produzida na Europa, é de 36% – um ponto acima da “nota de corte”.
“Que isso tem caráter político, tem. Querem bloquear a nova fronteira brasileira de produção de soja no Mapito [Maranhão, Piauí e Tocantins]”, afirma Furlan.
Apesar de o Brasil não exportar biodiesel, as regras da UE afetariam o setor de soja pois atingem toda a cadeia produtiva, diz a Abiove. A razão é que os europeus têm de exigir certificação do grão ou do óleo importado para produzir localmente o biocombustível.
Para a indústria, se tudo for levado a cabo – ainda faltam pontos a ser regulamentados – não haverá matéria-prima para que a UE atinja seus objetivos ambientais.
As novas regras fazem parte das Diretivas para Energias Renováveis (Red, em inglês) da UE, um conjunto de metas ambientais que devem ser atingidas até 2020. Entre elas está a mistura de 10% de biocombustíveis nos combustíveis, a substituição de 20% da energia de fonte suja por limpa e a redução de gases no setor de transportes.
A proibição da compra de grãos de áreas desmatadas após 2008 ou em pastagens com alta diversidade é uma resposta dos europeus a críticas de organizações não governamentais. Indonésia e Malásia, os maiores produtores de palma do mundo, obtiveram essa posição às custas das florestas tropicais. A expansão da soja, às custas da Amazônia e Cerrado.
Mesmo desconsiderados esses tópicos, os produtores de soja brasileiros teriam dificuldades em obter a certificação necessária para poder exportar à UE. A maioria ainda detém passivos ambientais em suas propriedades rurais, como Reserva Legal e Áreas de Proteção Permanente, exigidas pela lei.
Por ora o setor não tem nenhum plano concreto para pressionar o governo e levar o caso à OMC. “Estamos sempre conversando com o governo”, diz a Abiove. Em todo caso, o setor acompanha os desdobramentos nos EUA, que faz etanol de milho. Recentemente, a American Soybean Association expressou preocupação com as diretivas europeias ao secretário de Agricultura, Tom Vilsak, e ao representante comercial do país, Ron Kirk.