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Economia

Perigo mora ao lado

Argentina depende tanto da gigantesca economia brasileira que as pessoas aqui costumam dizer que, quando o Brasil tosse, a Argentina fica gripada.

Perigo mora ao lado

A Argentina depende tanto da gigantesca economia brasileira que as pessoas aqui costumam dizer que, quando o Brasil tosse, a Argentina fica gripada.

Agora que a economia do Brasil está se desacelerando e sua moeda está enfraquecendo – parcialmente devido aos efeitos da crise europeia – empresários argentinos temem que o Brasil vá comprar menos produtos do país vizinho e, ao mesmo tempo, tentará exportar mais dos seus próprios produtos.

A queda na cotação do real, de cerca de R$1,60 por dólar para níveis próximos R$ 1,80 desde final de agosto, “é muito importante”, disse Teddy Karagozian, presidente da TN&Platex, uma fabricante de produtos têxteis de Buenos Aires. Também o é a desaceleração do crescimento prevista por economistas brasileiros, para menos de 3%,o que é menos da metade do nível do ano passado, acrescentou. “Existe um série de implicações para a Argentina”.

O Banco Central do Brasil cortou, na quarta-feira à noite, a taxa básica de juros, ameaçando alargar ainda mais a disparidade na cotação da moeda.Veja a guerra do chocolate que está borbulhando entre os dois vizinhos. Nas duas últimas semanas, as exportações argentinas de chocolate e doces para o Brasil foram interrompidas devido à decisão do governo brasileiro de impor a necessidade de licença de importação para doces.

Os empresários argentinos dizem que a medida salienta o jeito do Brasil de responder a tempos difíceis com protecionismo. De maneira alguma, respondeu um porta-voz do Ministério do Comércio Exterior, que afirmou que o Brasil estava apenas tentando coletar mais informação sobre os produtos importados.

A Argentina deve também enfrentar outro efeito colateral da crise global financeira: o recente enfraquecimento e volatilidade no principal produto agrícola da Argentina, a soja – cujo valor caiu 10% nos últimos três meses. Os impostos de exportação para a soja, assim como outros produtos, equivalem a 10% do faturamento do governo com impostos, ajudando a financiar despesas sociais politicamente populares.

A presidente Cristina Kirchner, que parece a favorita para ser reeleita no domingo, tem tido que tirar tempo da campanha para se reunir com consultores e discutir a rápida mudança do cenário econômico. Ela está tendo sucesso numa economia que tem crescido cerca de 9% este ano. Mas “tempos mais complicados estão chegando”, disse o economista argentino Ricardo Delgado.

O vice-ministro da Fazenda argentino, Roberto Feletti, disse numa entrevista de rádio recente que a Argentina “está em bom estado” apesar da agitação global. Ele enfatizou a importância dos laços com seu vizinho. “A relação com o Brasil é decisiva para a Argentina, em relação à indústria e às exportações e também politicamente”, disse Feletti.

Os argentinos certamente esperam que o Brasil saia dessa bem, já que é o mercado que absorve cerca de 20% do total das exportações argentinas e 40% das de bens manufaturados. Mesmo antes do enfraquecimento do real, a Argentina registrava um déficit comercial de cerca de US$ 4 bilhões com o Brasil.

O real vinha aumentando em relação ao dólar desde a metade do ano passado, mas caiu 17% em relação à moeda americana no terceiro trimestre devido ao pessimismo do mercado internacional provocado pela crise na Europa, e também pelo inesperado corte da taxa básica de juros pelo Banco Central brasileiro no dia 31 de agosto.

Ninguém quer ir muito longe na comparação, mas os industrialistas argentinos chamam atenção para o fato de que em 1999 a desvalorização do real contribuiu para uma espiral de recessão que resultou na crise financeira argentina.

As economias dos dois rivais têm tido bons resultados nos últimos anos graças aos fortes preços globais das commodities. Mas os dois governos têm aplicado estratégias diferentes para gerenciar essa prosperidade.

“A Argentina priorizou o crescimento à custa de inflação e o Brasil apostou em menos crescimento, desinflando a taxa de câmbio e mantendo a estabilidade”, disse recentemente José Ignacio de Mendiguren, chefe do Sindicato das Indústrias da Argentina, a principal associação do setor industrial. “Eu prefiro o nosso modelo.”

De fato, a forte demanda interna tem empurrado a produção dos fabricantes de calçados argentinos para um recorde de 115 milhões de pares este ano, oito milhões a mais que em 2010, disse Alberto Sellaro, presidente da Câmara da Indústria de Calçados.

Ainda mais vulnerável à turbulência econômica no Brasil está o grande setor automotivo da Argentina, disse Gustavo Segre, diretor-presidente do Center Group em São Paulo, uma consultoria de comércio exterior e negócios. Segre disse que o estoque dos revendedores de carros brasileiros tem estado muito acima do nível normal, o que provavelmente vai significar cortes nas fábricas argentinas.

Uma possibilidade para a Argentina é acelerar a depreciação do peso para manter o passo com o real, disse Maria Belén Avellaneda Kantt, uma analista do Centro Argentino para Estudos Internacionais. Mas a Argentina não pode acelerar muito a desvalorização porque isso geraria ainda mais inflação, que já está perto dos 25%, e também tende a encorajar a saída de capital entre os poupadores argentinos, dizem economistas.

O efeito completo do enfraquecimento do real pode não ser sentido até o fim do ano, disse Miguel Faraoni, dono da fabricante de brinquedos Chikitos e presidente da Associação Argentina da Indústria de Brinquedos. Mais concorrência perto do Natal não é o que os fabricantes de brinquedos argentinos querem. Ele disse que a indústria local precisa de uma certa assistência depois das eleições porque mesmo sem um real fraco, “por 10 anos, a balança comercial da indústria de brinquedos tem sido favorável para o Brasil em cerca de 300% a 400%.”