Os produtos importados já deixam de ajudar no controle da inflação. No quarto trimestre de 2009, os preços em dólares de bens de consumo vindos do exterior subiram em relação ao trimestre anterior. As cotações de bens duráveis (como automóveis e eletroeletrônicos) aumentaram 0,82%, enquanto as dos não duráveis (como alimentos, têxteis e calçados) cresceram 2,98% nesse período. Depois de vários meses de deflação em moeda forte, esses produtos começaram a chegar ao País mais caros, segundo números da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex). Na média, os preços das importações aumentaram 0,5% no quarto trimestre.
Nesse cenário, não deverá ser possível contar em 2010 com o auxílio de produtos estrangeiros mais baratos para segurar a inflação, ainda que os analistas não acreditem em uma alta das cotações em dólar dos bens importados capaz de pressionar com força os índices de preços. Mesmo que não seja uma fonte de pressão inflacionária relevante, a alta dos preços de importação ocorre no momento em que se consolida a percepção de que, daqui para frente, o dólar ficará em níveis mais altos do que nos últimos meses de 2009. Na sexta-feira, a moeda americana fechou em R$ 1,885, 8,15% acima dos R$ 1,743 do fim do ano passado.
Sob o impacto da crise global, os preços em dólar dos bens de consumo importados encolheram nos três primeiros trimestres de 2009. As cotações dos duráveis caíram com mais força, especialmente entre julho e setembro, quando reduziram-se 5,55% sobre os três meses anteriores. Esse movimento contribuiu para a deflação dos bens duráveis em 2009. Pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), esses produtos recuaram 1,88%, também por conta da redução da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de veículos e eletrodomésticos da linha branca e do tombo do dólar. Com a forte desaceleração da economia global, empresas de países como a China concederam descontos em dólar, para desovar os seus produtos.
Os números da Funcex mostram a interrupção desse fenômeno no quarto trimestre. Para o estrategista-chefe do WestLB, Roberto Padovani, a inversão das cotações se deveu à retomada da atividade econômica global, depois da forte retração registrada em boa parte de 2009. Com essa recuperação da produção global, os preços em dólar dos duráveis importados exibiram alguma reação, que ocorreu depois das quedas ocorridas nos três trimestres anteriores. As cotações dos não duráveis subiram mais – 2,98% no quarto trimestre, mesmo depois de terem caído pouco entre janeiro e setembro.
Os preços em dólar que mais aumentaram no quarto trimestre foram das importações de combustíveis – 6,82%, depois da alta de 24,4% no terceiro -, obviamente devido à alta das cotações do barril de petróleo. Já os bens de capital e bens intermediários (insumos como aço, produtos químicos e plástico) registraram baixa no período, de 2% e 1,16%, pela ordem.
O economista-chefe da Funcex, Fernando Ribeiro, diz que os preços em dólar das importação não terão uma trajetória contínua e generalizada de alta neste ano. Para ele, a tendência mais provável para as cotações de bens duráveis e não duráveis é de estabilidade. “Ainda há um excesso de oferta no mundo”, afirma Ribeiro, para quem a indústria global ainda trabalha com níveis bastante confortáveis de ociosidade. Nesse quadro, não há espaço para a tentativa de grandes reajustes de preços. “Não acho que os preços de importação em dólar serão uma fonte de preocupação para a inflação em 2010”, diz ele. O que pode ocorrer, segundo Ribeiro, é a elevação mais forte de uma ou outra commodity.
A combinação de dólar mais caro e preços de importação estáveis ou em leve alta tende a se traduzir em maior inflação de bens duráveis. As cotações em moeda forte dos produtos importados devem no mínimo deixar de ajudar no controle da inflação, avalia o economista-chefe da corretora Concórdia, Elson Teles. No fim do ano passado, por exemplo, já houve uma alta dos preços de bens duráveis em reais. Entre setembro e dezembro de 2009, as cotações de duráveis no IPCA subiram 1,29%, depois de terem recuado nos cinco meses anteriores.
O cenário mais perigoso seria de uma forte alta de commodities, que se traduzisse em aumento dos preços desses produtos em reais. Padovani avalia que essa possibilidade não é das maiores, trabalhando com a volta das cotações para níveis próximos das médias históricas, e não para os picos atingidos em 2008.
Nas últimas semanas, o real se desvalorizou bastante na comparação com o dólar, mas, ao mesmo tempo, as commodities recuaram. O barril do petróleo WTI, por exemplo, caiu 12,37% desde 6 de janeiro, quando atingiu a máxima do ano, negociado a US$ 83,18 – na sexta-feira, fechou cotado a R$ 72,89.
O que ganha força entre os analistas é a aposta num dólar mais caro ao longo do ano. Teles aposta em R$ 1,85 em dezembro, projetando um IPCA de 4,6% a 4,7% em 2010, um pouco acima dos 4,5% do centro da meta perseguida pelo Banco Central. Os economistas do Bradesco elevaram a sua projeção para o câmbio no fim do ano de R$ 1,75 para R$ 1,85, por conta de fatores externos e internos. A tendência de valorização da moeda americana em relação a outras divisas aponta para um real mais depreciado, dizem eles, que destacam também a expectativa de piora do déficit em conta corrente, especialmente por causa do forte crescimento da demanda interna. O banco projeta um rombo de US$ 63,5 bilhões nas transações comerciais, de serviços e rendas do País com o exterior, bem acima dos US$ 24,3 bilhões de 2009.