Maior exportadora de carne bovina durante boa parte do século passado, a Argentina costuma ser lembrada pelos fãs de seus suculentos bifes como uma terra onde os bois são criados com liberdade nos pastos. No entanto, o confinamento do gado bovino é hoje a grande aposta da brasileira Marfrig para crescer no país, em meio à crise vivida pelo setor.
A meta da Marfrig é praticamente dobrar, de 10% para cerca de 20%, a proporção do gado confinado no abate total. O confinamento é considerado essencial para acelerar o processo de engorda e reduzir, dos atuais 3,2 anos para 2,5 anos, a idade média para os bois atingirem peso acima de 450 quilos – o ideal para o abate pelo frigorífico. A estratégia visa garantir o crescimento da Marfrig em 2010, já que o abate provavelmente se manterá nos mesmo níveis do ano passado, quando atingiu 600 mil cabeças, afirma Renato Macedo, diretor da empresa na Argentina.
O país vive hoje uma escalada no preço da carne bovina – consequência direta da diminuição da oferta. No primeiro bimestre, os açougues portenhos reajustaram em 35%, na média, os cortes mais tradicionais. Estima-se que a Argentina tenha hoje 52 milhões de cabeças de gado, oito milhões a menos do que em 2007. A produção e as exportações aumentaram em 2009, mas graças ao abate de fêmeas, majoritariamente, em um processo de “liquidação de ventres”.
Em última instância, trata-se de uma antecipação da produção futura, um sinal de desinvestimento. “O problema real é que não há estoque, não há vacas”, afirma o presidente da Sociedade Rural Argentina, Hugo Biolcati. “Diante da falta de perspectivas, os criadores se viram obrigados a desfazer-se de fêmeas”.
Nesse contexto, a aposta da Marfrig é nos “feedlots” – termo usado na Argentina para designar os confinamentos. “No segundo semestre, vamos inaugurar o nosso primeiro ‘feedlot’ próprio”, diz Macedo. Localizado em Monte Ralo, na Província de Córdoba, terá capacidade para 22 mil cabeças. Em dezembro, a Marfrig já havia acertado com a Adecoagro a compra de 53 mil cabeças de gado, por US$ 14,7 milhões, num pacote que inclui o arrendamento de 74 mil hectares de terras e uma unidade de confinamento em Corrientes.
Na Argentina, onde chegou em 2007 com a aquisição da Quickfood, uma das mais tradicionais do ramo de alimentos do país, a Marfrig tem cinco unidades de abate (com capacidade para 3,9 mil cabeças por dia) e três plantas de processamento de carne. No decorrer de 2008 e de 2009, o grupo brasileiro aumentou sua participação acionária na Quickfood, dos 70,51% iniciais para os atuais 81,48%. Apesar disso, a família Bameule, antiga dona da empresa, ainda participa da gestão.
“Queremos voltar a ser o número 1 do mundo em exportação”, afirma Luis Bameule, vice-presidente da Quickfood. “Talvez não em volume, mas certamente em valor, qualidade e reconhecimento – o que abre as portas, inclusive, para outros produtos”, diz o empresário.
A marca Paty, sinônimo de hambúrguer na Argentina, é um exemplo. O objetivo da Marfrig é levá-lo para outros países, inclusive o Brasil. “Estamos começando pela região Sul”, conta Renato Macedo. Segundo ele, trata-se de um produto diferente, “de excelência”, com carne 100% de novilho e 15% de gordura, enquanto os hambúrgueres das redes de fast food costumam ter até 25%. Este é um ano de comemorações para a Paty, que completa meio século. A marca domina 65% do mercado de hambúrgueres e vende 1,6 milhão de unidades por dia, diz a Marfrig.
Hoje, cerca de 75% da produção da Marfrig na Argentina destina-se ao mercado interno, mas a companhia também exporta para a União Europeia, além de Rússia, Chile e Peru. O frigorífico também trabalha para incrementar suas exportações à UE dentro da Cota Hilton, com tarifa preferencial de acesso para cortes nobres. A Argentina só preencheu 40% das 28 mil toneladas a que teve direito em 2009. À Marfrig/Quickfood coube uma cota de quatro mil toneladas.