Em 29 anos, Deivid dos Santos Gautério viu uma única lavoura de soja. Em 2008, em Cruz Alta, observou atento o maquinário abrir trilhas e trilhas entre a plantação. Foi o primeiro contato com as terras das quais nascem os grãos que subsidiam sua vida em Rio Grande, no sul do Estado.
Técnico em logística, trabalha desde 2004 nos terminais de grãos do porto. Pela Termasa e Tegrasa passam 80% da soja exportada pelo Rio Grande do Sul – os outros 20% partem para Europa e Ásia pelos terminais da Bianchini e da Bunge Alimentos. Neste ano, a previsão é exportar 5 milhões de toneladas do produto. Deivid ajuda a operacionalizar a chegada e a saída de toda essa carga. Mas nem sempre foi assim.
Até 2004, o atual técnico era chapista em uma lancheria. Trocou o xis e o cachorro-quente pela vassoura e o cortador de grama. Passou a compor o time de limpeza externa da Termasa. Via de longe a safra chegar em caminhões, vagões e barcaças. Varria os grãos que caíam durante o transporte. Ao assumir a vigilância da portaria e, depois, o monitoramento das câmeras do terminal, manteve o mesmo ângulo, distante da soja.
Atento à oferta de empregos internos, em 2007 resolveu entender melhor os trâmites da cadeia que todos os meses paga o seu salário. Concluiu à distância o curso de tecnólogo em logística. Dois anos e R$ 6 mil investidos renderam a promoção em dezembro passado: Deivid entrou para o setor de logística do terminal.
Ao lado de quatro colegas, programa desde o carregamento dos caminhões, vagões e barcaças nos armazéns de estocagem até a chegada e o despacho da carga nos navios em Rio Grande. O controle é feito por um sistema online chamado Pampa.
A ascensão reflete-se na vida pessoal do técnico. A cada promoção, o salário é reajustado. Se quando entrou na Termasa sequer carteira de motorista tinha, atualmente ele desfila de moto e carro. Ainda pretende se casar em breve e seguir estudando. Uma pós-graduação está nos planos.
“A soja é a responsável por toda esta escadinha”, explica Deivid, com um largo sorriso.
Resultado do campo reflete nas fábricas
Igor Reinoldo Klein, 23 anos, costuma acompanhar as notícias sobre a safra de soja no Estado. Sabe se ela é cheia ou se a falta de chuva deixou-a minguada. Se a agricultura está em crise ou não. Engana-se quem pensa que ele é sojicultor.
O jovem nasceu e trabalha bem longe da região considerada o berço da soja, o Noroeste, ou dos Campos de Cima da Serra. Igor é metalúrgico há dois anos na fábrica de tratores da John Deere, em Montenegro, na Região Metropolitana. Apesar de a riqueza gerada pelo grão ser importante na vida profissional, nunca esteve em uma lavoura de soja. Natural de Montenegro, Igor não tem agricultores na família. A mãe era empregada doméstica, e o pai, vendedor de carros. As irmãs são secretárias. Ou seja, profissões bem urbanas.
“Já estive no interior de Montenegro e vi lavouras. Mas não de soja”, comenta o jovem, estudante de Engenharia Mecânica.
O primeiro e único contato dele com uma lavoura foi aos 12 anos, quando estava de férias da escola e foi passear na casa de um amigo. Lá, havia uma plantação de arroz.
Antes de trabalhar na linha de montagem de cabines, Igor era mecânico de veículos. Até então, a oleaginosa, seu preço, produtividade e queda de produção eram assuntos distantes. Agora, se informa sobre produção agrícola e mercado lendo jornais e notícias pela internet nos intervalos entre o trabalho e a faculdade. Logo que entrou na empresa, Igor sentiu na pele logo o peso que a produção tem sobre sua atividade. Bem na época, estourou a crise mundial e houve a estiagem na América do Sul.
“Estamos numa safra boa, que representa mais lucro, mais venda de tratores e garante o nosso emprego aqui. O ambiente fica melhor para trabalhar. Dá para fazer planos, há mais oportunidade de crescimento dentro da empresa”.