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Economia

China alivia no Brasil e briga na Argentina

Óleo de soja é o tempero de uma enigmática receita aplicada pela China às suas relações com Argentina e Brasil.

Óleo de soja é o tempero de uma enigmática receita aplicada pela China às suas relações com Argentina e Brasil. Aparentemente irritado com a montanha de processos antidumping que nossos vizinhos andam empilhando nas fronteiras para barrar a entrada dos baratos concorrentes vindos da China, o governo chinês bloqueou as vendas argentinas de óleo de soja (40% do total vendido ao mundo pelos argentinos). Com o Brasil, porém, a conversa é diferente; há queixas contra barreiras brasileiras à entrada de produtos chineses, mas, até agora, nenhuma ameaça de represália, pelo contrário.

Que os argentinos não nos olhem; há uma pitada de discriminação oriental nessa peleja. Na semana passada, o vice-ministro do Comércio chinês, Jiang Yaoping, durante um seminário bilateral em Buenos Aires (ironicamente, sobre cooperação em comércio e investimentos), esbravejou contra a “tendência crescente de imposição de medidas protecionistas” na Argentina, que ele chamou de “anormais e discriminatórias”. Depois de dias de declarações em contrário de autoridades chinesas, Jiang deixou claro que o bloqueio às importações de soja, a pretexto de controle sanitário, está ligado ao protecionismo argentino.

A escalada de medidas argentinas não deixa outra opção senão “contramedidas”, disse Jiang Yaoping à agência oficial Xinhua, a quem, num ameaça velada, lembrou o aumento das exportações argentinas de fumo, alimentos, laticínios e equipamentos médicos da Argentina para a China. Três quartos do consumo de óleo de soja na China vinha da Argentina, o que anima concorrentes nos Estados Unidos, no Brasil e até na Índia. Os chineses se queixam da abertura, neste ano, de dois processos antidumping contra produtos de lá, que se somam a outros 19 processos, que, segundo o vice-ministro chinês, os argentinos abriram contra a China durante o ano de 2009.

É grande o contraste entre o estado das relações sino-argentinas e a lua de mel dos chineses com o Brasil. No PAC Brasil-China há um mecanismo de aviso prévio sobre medidas de restrição de comércio, que deve ser acionado em breve, pois, afinal, o governo move hoje três processos antidumping, contra esferográficas, cobertores e imãs chineses, apenas aguardando um parecer final do Departamento de Comércio Exterior (Decex). Outro processo, para estender o antidumping contra o carbonato de bário, está em fase de nota técnica para audiência final. Em fases preliminares, há ainda novos processos contra as vendas chinesas de magnésio, objetos de mesa de vidro, malhas de viscose e rebitadores manuais.

As medidas testarão a amizade recém-confirmada entre China e Brasil. Mas não serão problema, se os chineses receberem as eventuais medidas com a mesma resignação com que recebem as não poucas já existentes. Neste ano o Brasil sobretaxou calçados chineses; desde o ano passado, impõe sobretaxas ao magnésio em pó e ao metálico, ao carbonato de bário, aos imãs, a pneus de automóveis e de carga, a lápis, fibras e fios de viscose, eletrodos de grafite, seringas e o agrotóxico glifosato.

Aos 14 produtos alvo de medidas antidumping brasileiras desde 2009, soma-se a enorme lista de 2007: ventiladores de mesa, armações de óculos, escovas de cabelo, alto-falantes, talhas manuais, pedivelas, brocas, cadeados, alhos e pvc-s, ferros de passar e chapas de alumínio pré-sensibilizadas. Há ainda as garrafas térmicas, que deixarão somente em julho de pagar a tarifa punitiva de 47% imposta em 2005.

Neste mês, os chineses abriram o mercado ao fumo brasileiro e prometeram facilitar a importação de carnes cozidas de frango e de boi. Vão analisar uma abertura para a carne suína e, no PAC entre China e Brasil, há promessas de cooperação em matéria fitossanitária. O Brasil prometeu apressar a regulamentação do reconhecimento da China como economia de mercado, o que dificultaria o sucesso dos casos antidumping, mas a promessa ainda está em termos vagos.

Pode-se atribuir ao êxito da diplomacia do Brasil com a China a diferença de tratamento dado pelos chineses aos dois vizinhos sul-americanos, e seria razoável acreditar assim. do que as arbitrárias medidas argentinas. Mas se pode fazer, ainda, como as autoridades vizinhas e considerar a Argentina vítima da esperta política industrial dos chineses, que construíram uma enorme capacidade de esmagamento de soja e, hoje, podem importar mais sementes e menos óleo, mais caro.

O mais provável é uma mistura das três coisas, que confirma as vantagens da política externa brasileira, de diversificação de parceiros, mas mostra um de seus limites. A parceria respeitosa com a China precisa incluir uma sofisticação maior da pauta do comércio do Brasil com a nova superpotência, abrindo espaço para manufaturas do Brasil no refratário mercado chinês.