Aos poucos, e sem alarde, o governo tem reorientado parte de sua política agrícola para o amparo de tradicionais cooperativas de base produtiva familiar. O desenho amplia benefícios a produtores familiares e oferece contrapartidas ao segmento empresarial. É uma tentativa de “unificar” a ação do Estado no setor rural e de superar a luta ideológica no governo, radicalizada desde o início da gestão Lula.
Patrocinado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, em parceria com a Fazenda, o arranjo inclui novas políticas de custeio, comercialização e investimento operadas por meio de cooperativas agropecuárias.
O governo reservou 30% das compras da merenda escolar a cooperativas. Mas exigiu que essas sociedades fossem compostas por um mínimo de 70% de produtores familiares. Antes, exigia-se 90% de familiares no quadro social, o que afastava o segmento dos benefícios da grande escala comercial.
Com isso, o governo ampliou de 40% para 90% o universo das cooperativas dentro das novas regras. Quem não ficou, tratou de incluir produtores familiares em seus quadros. No Paraná, só a Coamo ficou fora, mas ainda pode ser beneficiada se o governo contabilizar, de forma separada, as unidades da cooperativa em áreas mais pobres do Estado. “Ajudamos a criar uma classe média rural que passou a ser atendida pelo MDA”, diz o presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), Márcio Lopes de Freitas.
Em troca, o governo ofereceu a essas grandes cooperativas o mercado da merenda escolar em grandes cidades. Em 2011, o orçamento da merenda soma R$ 3,2 bilhões. As cooperativas terão direito a R$ 955 milhões. “Esse é hoje o grande público das cooperativas. E não se criou nenhum problema com movimentos sociais. O MDA harmonizou muito essas políticas. Evoluímos muito nas questões operacionais”, diz Freitas.
Na gestão da presidente eleita Dilma Rousseff, há uma tendência de aprofundar as ações interministeriais para os dois segmentos. “É uma política de inclusão. Hoje, 80% do leite, por exemplo, é produzido pela agricultura familiar e suas cooperativas”, informa o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, cotado para permanecer no cargo.
A ação do governo ajudou a criar uma alternativa de escoamento para pequenos e médios produtores familiares, revertendo as margens a cooperativas que depois redistribuem os lucros sob a forma de “sobras” de caixa.
“Organizamos o mercado em cadeias”, diz Cassel. A Itambé, cujo quadro social tem 62% de familiares, está em campanha para atingir 70%. A empresa quer fornecer leite ao município do Rio de Janeiro, cujo mercado soma US$ 130 milhões. Desde a mudança nas regras, grandes sociedades como a gaúcha CCGL, a catarinense Aurora e a paranaense Copagril entraram no jogo. “O investimento da Aurora em uma nova torre de leite em pó, por exemplo, foi financiada pelo Pronaf Agroindústria”, lembra Freitas.
A parceria com as cooperativas também rendeu frutos como a criação dessa linha de financiamento de agroindústrias. Nas duas últimas safras, o Pronaf Agroindústria emprestou R$ 420 milhões às cooperativas a juros de 2% ou 3% ao ano – no Prodecoop, a taxa é 6,75%. Na linha de financiamento das chamadas “cotas-parte” aos cooperados, foram desembolsados R$ 142 milhões para reforçar o capital dessas sociedades. “E isso foi para cooperativas com perfil mais familiar”, diz o presidente da OCB.
O Banco do Brasil ampliou sua carteira de empréstimos a cooperativas. Boa parte do crédito agroindustrial, projetado em R$ 3,26 bilhões para dezembro, está aplicado nessas sociedades. O balanço do BB mostra forte elevação dos empréstimos a cooperativas. O valor saltou de R$ 2,74 bilhões, em março, para R$ 3,53 bilhões em setembro. A fatia cooperativista passou de 4,26% para 4,78% da carteira de R$ 74 bilhões de crédito rural do BB. “Essa é uma das nossos prioridades”, diz o vice-presidente de Agronegócios do BB, Luís Carlos Guedes Pinto.