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Economia

Estratégias para a guerra cambial

Fazenda não se posiciona sobre uma intervenção mais forte sobre as taxas de juros.

Enfático ao falar do compromisso do próximo governo com o controle das contas públicas, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, confirmado no mesmo cargo pela presidente eleita Dilma Rousseff, evita comentar a opinião compartilhada por colaboradores – e, até recentemente, pela própria Dilma – de que é urgente uma intervenção mais forte sobre as taxas de juros. Economistas ligados a Mantega discordam da tese de que é preciso cortar gastos para abrir espaço à queda dos juros. Afirmam que é exatamente o contrário: a redução dos juros abriria “espaço fiscal” para os investimentos e a redução da dívida pública.

Falta clareza, também, sobre a estratégia do futuro governo contra a valorização da moeda brasileira, tema de debate intenso entre especialistas. Uns culpam o real valorizado pelo que chamam de “reprimarização” de exportações ou “desindustrialização” do país. Outros veem a valorização como inevitável e cobram políticas para conviver com ela. A discussão aparece, bastante instrutiva, na próxima edição da “Revista Brasileira de Comércio Exterior”, que entra em circulação na próxima semana.

Dedicado à valorização persistente da moeda brasileira, o número do quarto trimestre da RBCE constata que não há quem proponha a volta ao regime de câmbio fixo no país, mas há divergências em relação a dois pontos considerados essenciais: as reformas macroeconômicas, entre elas o aperto na política fiscal, para apoiar a queda dos juros e influenciar a taxa de câmbio, e as microeconômicas, aperfeiçoando o mercado de câmbio e promovendo medidas para reduzir o “custo-Brasil”.

A discussão entre economistas vai além do o receituário para desvalorizar o real, como mostra o polifônico retrato feito pela RBCE. O economista Samuel Pessôa, da FGV, por exemplo conclui que a redução do custo-Brasil (medidas “horizontais”, como redução de tributos, melhoria da infraestrutura, redução da burocracia) não deterá a perda relativa de importância da indústria na pauta exportadora.

Não há no país quem proponha a volta ao regime de câmbio fixo

O maior competidor da indústria nacional não é a indústria estrangeira, mas o setor primário nacional (soja, minério, carnes), diz Pessôa, para quem a tendência de valorização do câmbio, no Brasil, segue a dinâmica mundial de aumento da demanda por commodities.

A redução do custo-Brasil também beneficia a competitividade dos produtos básicos. Reverter a chamada “desindustrialização” exige medidas dirigidas apenas ao setor industrial, como o corte de impostos sobre folhas de pagamento da indústria de transformação, sugere.

Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, defende que os juros são a única variável doméstica com influência sensível sobre a taxa de câmbio. Pesariam mais os fatores externos, como os preços das commodities e a taxa de câmbio entre o dólar e as outras moedas do mundo.

Carlos Thadeu de Freitas Gomes e João Felipe Santoro Araújo veem, porém, razões “estruturais” domésticas para a valorização do real, como a carência de poupança, que provoca atração de poupança externa, ou a posição de risco do país, ou, ainda, a proporção de ativos estrangeiros em relação a ativos domésticos no exterior.

Como a maioria dos articulistas nesta edição da RBCE, Thadeu de Freitas e Schwartsman defendem a adoção de medidas fiscais para permitir a queda dos juros, sem que a facilidade de crédito daí resultante inflame as pressões inflacionárias. O efeito dessas medidas, porém, será pequeno, adverte Schwartsman: a queda de quatro pontos percentuais nos juros elevaria o dólar a apenas R$ 1,75, exemplifica.

Pessôa diz que as movimentações financeiras, no mercado de câmbio, são incapazes de exercer influência consistente sobre a cotação do real, porque os fluxos de saída de investimentos compensam, no médio prazo, os fluxos de entrada. Não é o que diz o economista da UERJ Mário Cordeiro de Carvalho Júnior, que, em detalhado artigo sobre os mercados futuros e as chamadas operações de “carry trade”, alerta para as “bolhas de choque” da expansão monetária americana sobre países emergentes como o Brasil.

Carvalho Júnior descreve o sistema cambial brasileiro, herdado do período de fortes controles e temor de evasão de divisas, e comenta que são falhos os instrumentos do governo para lidar com essa “concorrência imperfeita”, em que bancos e fundos estrangeiros são os únicos autorizados a operações no mercado de futuro, que influem nas cotações presentes para importadores e exportadores. Um receituário capaz de impor custos às operações especulativas é indispensável, garante.

A revista tem, ainda, artigos instigantes do diretor da Fiesp Roberto Giannetti da Fonseca, do secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, e do estrategista do banco WestLB Roberto Padovani, entre outros.

Um debate inconcluso, no qual não se conhece ainda a posição do novo governo. Preocupante é saber que os integrantes já anunciados defendiam, até recentemente, amenizar os efeitos negativos do câmbio sobre a indústria apelando a medidas protecionistas, de controle administrativo das importações.