Os líderes das 20 maiores economias desenvolvidas e emergentes deverão assinar hoje, em Seul, um acordo para reduzir os desequilíbrios econômicos globais, mas sem medidas concretas. Esse acordo dificilmente atenuará no curto prazo a confrontação cambial e no comércio.
Para evitar desgaste maior no confronto entre os EUA e a China, o mais provável é o estabelecimento de um “cronograma de discussões” sobre políticas de câmbio, monetária, fiscal e comercial, que empurrarão as dificuldades para a presidência francesa do G-20 no ano que vem.
Washington e Pequim divergiam até a madrugada passada sobre como tratar de intervenções cambiais e desequilíbrios externos em geral no texto. Os EUA eram apoiados firmemente pelo México, e a China dividia com os americanos a simpatia dos asiáticos que não queriam se comprometer muito. O Brasil criticou os dois.
O capítulo inteiro de “políticas cambial, monetária e de comércio” continuava aberto, depois do fiasco de um entendimento entre os negociadores após reuniões desde segunda-feira que começavam na manhã e terminavam na madrugada. Num fato não muito comum, sobrou para os líderes tentarem um compromisso nesta sexta-feira afim de salvar a já chamada de “cúpula do desentendimento”.
O primeiro desacordo que persistia entre os EUA e a China era sobre a linguagem que conclama os países a se abster de desvalorizar suas moedas. Os chineses reclamam que a linguagem usada criticava indiretamente sua política cambial e os apontava como manipuladores do yuan.
O segundo era sobre os “parâmetros indicativos” para o processo de avaliação mútua das políticas econômicas do G-20. Os EUA insistem em listar alguns indicadores logo, como o superávit ou déficit das contas externas. A China e a Alemanha, os países mais superavitários, só querem anunciar o princípio. E acusam, por sua vez, os EUA de praticarem uma política de dólar barato com a gigantesca liquidez dos US$ 600 bilhões anunciados na semana passada, causando problemas para o resto do mundo.
O presidente americano, Barack Obama, se encontrou separadamente com o presidente chinês, Hu Jintao, e a premiê alemã, Angela Merkel, na tentativa de negociar detalhes do acordo de hoje, que na prática mantém o clima de guerra cambial.
“Existe o reconhecimento de que se todos nós quisermos um crescimento mais forte, precisamos de demanda. E para ajudar as mudanças ocorrerem, temos de tomar ações. Um enquadramento da discussão para resolver problemas de desequilíbrio, o tipo de políticas cambiais que são necessárias etc.”, disse Obama.
Foi nesse ambiente que o presidente Luiz Inácio da Silva fez um discurso incisivo no jantar de trabalho dos líderes do G-20, ontem, ao lado da presidente eleita Dilma Rousseff. Ele alvejou os EUA pelo clima de guerra cambial, que pode levar à guerra comercial, mas tampouco poupou a China.
“As economias que emitem moeda de reserva devem administrar a liquidez internacional com sentido coletivo. Da mesma forma, os maiores países, inclusive os emergentes, não devem manter taxas de câmbio desvalorizadas buscando assegurar artificialmente fatia do mercado global atrofiado”, conclamou Lula.
“Ameaçados pelo fluxo de capital especulativo e pela valorização de suas moedas, mais países, principalmente emergentes, são obrigados a adotar medidas defensivas”, acrescentou.
Lula disse aos líderes que de 2003 para cá o real valorizou mais de 80% em relação às moedas de seus principais parceiros. O balanço de pagamentos acusa “um pequeno déficit”. Estima que a economia brasileira crescerá 7,5% este ano e 5% no ano que vem. A conclusão de Lula é de que o Brasil faz sua parte na comunidade internacional.
Um balanço da agência Dow Jones mostra que esta semana Taiwan impôs limite nos bônus detidos por estrangeiros. A Coreia do Sul espera só o G-20 acabar para também limitar a entrada de recursos. Os bancos centrais de Israel e Coreia do Sul estão intervindo no mercado, comprando dólares para evitar a valorização de suas moedas. A China aumentou a exigência de compulsório dos bancos, para desacelerar o investimento estrangeiro.
Mais cedo, em entrevista coletiva, Lula praticamente antecipava o fiasco da cúpula, que qualificou como ponto de partida para “reflexão” sobre as causas da guerra cambial, para soluções eventualmente no ano que vem.
Para seu assessor internacional, Marco Aurélio Garcia, a situação é complicada, mas também mostra a importância do G-20 para se tentar a cooperação global.
Primeiro, diz ele, os EUA, que sempre tiveram dificuldades com multilateralismo, estão numa situação encalacrada economica e politicamente. A China também tem um cenário complexo, pois sabe que se a recessão voltar nos EUA e na UE, seu modelo de crescimento baseado em exportação sofre pane. E vai ter muitos problemas internos se a economia desacelerar.
Na Europa, o mal-estar social se manifesta com 10 milhões de pessoas nas ruas na França. Nesse cenário, a situação brasileira é mais confortável, com uma “grande fronteira social”, já que apenas 13% do PIB depende de comércio exterior.