Os ganhos do Brasil com os chamados termos de troca são uma das principais causas da valorização do real frente ao dólar. Os preços das exportações brasileiras estão subindo de forma muito mais rápida que os das importações. O aumento das receitas de exportação e a redução das despesas de importação para uma mesma quantidade de bens comercializados ajudam a apreciar a taxa de câmbio.
Antes de tomar medidas aqui e ali para tentar reverter a apreciação do real, o governo deveria avaliar de forma exaustiva a evolução recente dos termos de troca. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, fez um gol ao “denunciar” a existência de uma guerra cambial no mundo, mas a maneira como vem enfrentando o “conflito” tem efeito mais retórico e transitório do que real e permanente.
Três economistas do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas – Samuel Pessoa, Armando Castelar e Luiz Guilherme Schymura – analisaram o comportamento dos termos de troca do Brasil nos últimos anos e fizeram descobertas importantes. Trata-se de uma bela contribuição ao principal debate em curso no País.
Entre outubro de 2001 e agosto de 2010, os preços das exportações brasileiras aumentaram, em dólar, 117%, um ritmo que não se via desde meados dos anos 70. Os termos de troca, isto é, a razão entre os preços das exportações e os das importações, foram favoráveis ao País nos últimos dez anos, embora o comportamento não tenha sido uniforme.
Entre fevereiro de 2000 e maio de 2006, os termos de troca ficaram praticamente estáveis. Os preços das commodities exportadas pelo País vinham subindo desde 2004, mas no mesmo período os preços dos produtos importados aumentaram em ritmo similar. A partir de maio de 2006 e até agosto de 2008, véspera do início do pior momento da recente crise, os termos de troca cresceram bastante.
A crise, em setembro de 2008, derrubou as exportações, mas também fez estragos nas importações, provocando uma queda moderada nos termos de troca. Ao longo de 2009, a economia mundial saiu do pior momento da turbulência e os países emergentes voltaram a crescer. Com isso, os termos de troca da economia brasileira tornaram a subir de forma acelerada. Em agosto deste ano, estavam 15% acima da média de 2008.
O momento atual se distingue do anterior porque, enquanto os preços das exportações estão subindo rapidamente, os das importações, com exceção dos combustíveis, estão um pouco mais baixos do que estavam no auge da crise. Pessoa, Castelar e Schymura, que tratam do tema na Carta do Ibre a ser divulgada hoje, acreditam que o descolamento entre ricos e emergentes, no pós-crise, explica o fenômeno.
Até 2006, países ricos e emergentes vinham crescendo juntos, de forma exuberante – uma característica dos últimos anos da chamada “Grande Moderação”, período em que o mundo industrializado avançou a taxas altas, com baixa volatilidade dos preços dos ativos e da inflação. Naquele momento, os termos de troca do Brasil permaneceram constantes. “As commodities subiram de preço, mas a forte e generalizada demanda por produtos industriais também elevou o valor pago pelos importados”, observam Pessoa, Castelar e Schymura.
Na fase seguinte (2006-2008), as economias avançadas, já envolvidas com problemas de excesso de alavancagem, começaram a crescer de forma vagarosa. Enquanto isso, as emergentes seguiram acelerando o crescimento, praticamente indiferentes ao que acontecia nas nações ricas. Esse descolamento aliviou a pressão sobre os preços industriais, mas a manteve sobre as commodities.
Na fase aguda da crise, todos foram atingidos. No pós-crise, entretanto, deu-se novamente um descolamento. Os países emergentes voltaram a crescer de forma rápida – casos, principalmente, de China, Índia e Brasil -, enquanto os ricos entraram em marcha lenta. Os preços das commodities tornam a subir de forma vigorosa, enquanto os dos produtos industriais estão estáveis. O resultado: os termos de troca do Brasil estão dando novo salto.
O desafio, agora, é avaliar bem as causas desse fenômeno e, a partir daí, definir políticas públicas para enfrentar seus efeitos. A China, que hoje responde por 20% do crescimento das importações globais e 21% da expansão das exportações, inunda o mercado mundial com produtos manufaturados e demanda bens primários. Por essa razão, pode ser a principal razão da melhora dos termos de troca do Brasil. Por outro lado, 2/3 das importações brasileiras, a maioria de bens industriais, vêm de economias da OCDE. Como estas estão em recessão ou crescendo muito pouco, tem ocorrido um pressão deflacionária sobre a importação brasileira.
O fenômeno chinês pode ser estrutural, logo, pode durar décadas. Já o crescimento fraco dos países ricos é cíclico – mesmo que ainda leve alguns anos, eles devem superar a maré baixa num prazo menor.
A apreciação do câmbio ajuda o Brasil a combater a inflação e a indústria a ter ganhos de capital relevantes – o dólar barato favorece a compra de máquinas e equipamentos e, assim, o aumento da capacidade produtiva. Por outro lado, diminui a competitividade das exportações de manufaturados.
Os três economistas do Ibre acreditam que, se o aumento dos termos de troca do Brasil decorrer mais do baixo crescimento dos países da OCDE, o governo deveria adotar medidas compensatórias para beneficiar a indústria de transformação – Pessoa defende a recriação da CPMF com o objetivo exclusivo de desonerar a contribuição previdenciária do setor.
Se a principal razão for a China, a compensação prolongada não faria sentido. “A política pública deveria se preocupar mais em suavizar a transição”, defendem os três especialistas. “A compreensão das causas da evolução recente dos termos de troca, portanto, é importante para determinar o futuro da política econômica.”