Os Estados Unidos e a China intensificaram o confronto em relação ao valor da moeda chinesa, por causa do temor de que políticas cambiais adversas possam prejudicar a recuperação da economia mundial.
Em um discurso supreendentemente franco no Brookings Institution, um grupo de pesquisas de Washington, o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, censurou a China por manter o que os EUA consideram ser uma taxa de câmbio deliberadamente baixa com o objetivo de ajudar os setores exportadores.
“Quando grandes economias com taxas de câmbio desvalorizadas agem para evitar a alta da moeda, isso encoraja outros países a fazer o mesmo”, disse Geithner, usando uma linguagem que se referia diretamente à China. “Isso dá início a uma dinâmica prejudicial” porque os países competem para manter as suas moedas desvalorizadas.
Em Bruxelas, antes do discurso de Geithner, o premier chinês Wen Jiabao pediu aos líderes políticos e empresariais que reduzam o tom dos ataques à Pequim. “Se o yuan não ficar estável, isso vai levar desastre à China e ao resto do mundo”, disse ele. “Se apreciarmos o yuan em 20% a 40%, como algumas pessoas estão pedindo, muitas das nossas fábricas vão fechar e a sociedade entrará em tumulto.”
Os discursos ocorrem antes do encontro de líderes na reunião do Fundo Monetário Internacional, em Washington, seguido de perto por duas sessões do Grupo dos 20 países industrializados e em desenvolvimento, do qual o Brasil faz parte. A retórica cada vez mais irritada sugere que os participantes estão perdendo a paciência com a condução multilateral das questões cambiais.
A briga em relação ao valor da moeda chinesa é um dos desafios mais difíceis que as autoridades têm de enfrentar em meio à crise financeira. Autoridades americanas acreditam que é preciso um “reequilíbrio” global, com os países, especialmente a China, passando a depender menos dos EUA para vender os seus produtos. Mas os esforços para que a China valorize a sua moeda e estimule a demanda doméstica se provaram marginalmente eficazes.
Para os EUA, a China está perseguindo uma estratégia mercantilista que favorece a sua indústria às custas dos concorrentes nos EUA, na Europa e na Ásia. Para a China, foi perseguindo o interesse nacional e uma estratégia que fizeram com que o país deixasse de ser uma nação empobrecida para se tornar uma potência.
Os comentários de Wen Jiabao são um contra-argumento bastante dramático” à posição americana, disse Simon Derrick, analista de câmbio do Bank of New York Mellon, em Londres. “Nós estamos agora indo ao encontro do FMI neste fim de semana basicamente sem nenhuma perspectiva de acordo.” Geithner não definiu qual seria a meta de apreciação da moeda chinesa que os EUA considerariam satisfatória. Mas ele tem feito comentários favoráveis à alta de 20% do yuan entre 2006 e 2008.
Desde 2008, o governo americano vem pressionando Pequim para que deixe o yuan se valorizar. Pequim cedeu em junho de 2010, pouco antes do encontro dos líderes do G-20, e disse que permitiria uma taxa de câmbio mais “flexível”.
Desde então, o yuan se valorizou apenas 2%, enfurecendo os membros da Câmara dos Deputados dos EUA, que no mês passado aprovaram uma legislação penalizando a China por suas práticas cambiais. No mês passado, o presidente Barack Obama fez comentários nas Nações Unidas direcionados à Wen Jiabao sobre a questão da moeda. Coreia do Sul, Brasil e Japão recentemente fizeram intervenções no câmbio ou adotaram outras medidas para conter a alta de suas moedas.
Criar um regime cambial estável que não dê vantagem a um ou outro país “é o desafio existencial central da cooperação internacional”, disse Geithner. Países que operam políticas de câmbio competitivas correm o risco de “causar inflação e bolhas de ativos em países emergentes e em outros, reprimindo o crescimento do consumo e intensificando distorções de curto prazo em favor das exportações”.
No ano passado, o G-20 criou um processo desenhado, entre outras coisas, para encorajar mudanças na política chinesa. Dentro da chamada estrutura do acordo, os países com grandes superávits comerciais, em especial a China, concordaram em reduzir a dependência das exportações. Países com grandes déficits comerciais, especialmente os EUA, concordaram em elevar a poupança e passar a contar menos com os importados. O principal objetivo é estimular o crescimento mundial.
Mas a estrutura não tem um mecanismo para forçar sua aplicação e as autoridades americanas temem que ele esteja se tornando uma loja de promessas onde os países prometem mas não cumprem sem medo de repercussões no FMI. Geithner sugeriu que o FMI poderia ter um papel maior, mas não explicou como.