O governo vai usar todas as ferramentas possíveis para deter o que considera a face especulativa do ingresso de dólares no País, responsável, em parte, pela valorização do real. Nessa direção, há duas medidas já em fase de preparação pelo Ministério da Fazenda: penalizar as chamadas operações “sintéticas” – contratos de derivativos, feitos por investidores estrangeiros através de bancos domésticos, na BM&F -, e editar uma medida provisória autorizando o Tesouro Nacional a emitir títulos para capitalizar o Fundo Soberano do Brasil. A intenção do governo é deixar o Fundo Soberano (FSB) completamente pronto para, se necessário, entrar no mercado comprando dólares, numa linha auxiliar à atuação do Banco Central. Avalia-se que ainda há um largo espaço para acumular reservas cambiais.
A preocupação do ministro da Fazenda, Guido Mantega, com os dólares que entram no País para especular contra o real é imensa. As apostas na valorização da moeda brasileira ocorrem no mercado futuro de cupom cambial e de dólar na BM&F, onde a posição “vendida” de estrangeiros somava US$ 12,5 bilhões na quarta-feira, e dos investidores nacionais, US$ 5,5 bilhões. Como são contratos em que não há o ingresso de moeda, eles não estão sujeitos à tributação pelo IOF.
O que se estuda no governo é taxar com o IOF a margem de garantia que os investidores têm que depositar na Bolsa. A garantia é uma medida do risco da operação e o valor da margem depende da volatilidade do câmbio. A lei que criou o IOF prevê sua incidência sobre crédito, seguro e títulos e valores mobiliários. Como as garantias na BM&F podem ser com carta-fiança, por exemplo, essa não se enquadraria no leque de aplicação do tributo. Há dúvidas jurídicas sobre como fazer essa taxação e mesmo sobre se é constitucional penalizar só o investidor estrangeiro que opera com derivativos, facilmente identificável pela carta-circular 2.689 do BC.
Governo pode cobrar IOF sobre as garantias na BM&F
Passados dez dias do aumento do IOF as informações do mercado são de que as aplicações de estrangeiros sobre renda fixa estão paralisadas. Os investidores que aplicavam em papéis mais longos, como as NTN-F (pré-fixadas, com vencimento em 2017 e 2021), teriam se recolhido para avaliar a situação. O Tesouro não confirma a paralisação e alega que só terá clareza do movimento no fim do mês.
O governo incentivou os investimentos estrangeiros em papéis da dívida pública desde 2006 para melhorar o perfil de financiamento do Tesouro e formar uma curva de juros mais longa, que serviria de parâmetro para as captações de recursos externos também do setor privado.
A medida foi bem-sucedida nesse objetivo. Desde então, a participação dos investidores estrangeiros em títulos federais saltou de zero para 10,06% do total da dívida pública mobiliária. Até agosto o estoque desses investimentos era de U$ 136 bilhões e desses, R$ 74 bilhões estão em NTN-F. Entre janeiro e agosto deste ano houve crescimento de 248% nas aplicações externas em papéis federais, comparado a idêntico período de 2009. Já os investimentos em dólares em renda variável cresceram 11% e os investimentos diretos, 8%. Essa seria a comprovação de que são os juros elevados do Brasil que atraem o capital externo e, portanto, apreciam a moeda nacional.
O estímulo que era necessário no passado para melhorar a administração da dívida pública agora está contribuindo para acentuar a valorização do real, problema elevado à prioridade máxima do governo.
Se decidir pela tributação com o IOF das margens de garantia dos investidores estrangeiros na BM&F, o Ministério da Fazenda estaria usando o remédio correto para desestimular o ingresso de dinheiro especulativo no País. Se, porém, tiver que tributar também os investidores domésticos que aplicam em derivativos, poderá estar matando o mercado.
Ainda assim, essa medida não é suficiente para punir todas as operações no mercado futuro com moeda estrangeira. Há outros canais nesse mercado que não passam pela BM&F, como as “non deliverable forward”, que são contratos de derivativos que podem ser feitos entre dois bancos, no exterior, em dólar contra moedas de países emergentes.
Há, portanto, possibilidades de mais medidas pontuais para lidar com o capital especulativo, e há a acumulação de reservas cambiais que já somam US$ 280 bilhões. Cálculos oficiais indicam que ainda há um bom espaço para a acumulação de reservas que hoje correspondem a 4% do Produto Interno Bruto. Na China elas representam cerca de 40% do PIB , na Rússia, 20% do PIB, na Turquia, 17%. No caso brasileiro se o produto crescer 4,5% ao ano, em média, e as reservas em dez anos chegarem a US$ 500 bilhões, elas ainda estarão no patamar da Turquia.
As conversas de representantes do governo brasileiro com investidores, durante a reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), só confirmaram o que já se sabe: a desvalorização do dólar no mercado internacional deve prosseguir e há um mar de dinheiro no mundo procurando rentabilidade. O Brasil é um dos destinos preferenciais, assim com outros emergentes. O governo pretende continuar agindo, mesmo ciente de que comprar mais reservas e encarecer o ingresso de capitais não vai reverter a tendência de apreciação do real.
Claudia Safatle , diretora de redação adjunta