A reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial terminou ontem sem acordo para resolver a chamada guerra cambial, tema que dominou os encontros neste fim de semana. O comunicado final apenas diz que uma das prioridades daqui por diante será “trabalhar em direção a um padrão mais equilibrado de crescimento global, reconhecendo as responsabilidades de países superavitários e deficitários”.
As negociações foram transferidas para a reunião de ministros e chefes de estado do G-20 que ocorre na Coreia no fim do mês e em novembro, respectivamente. O FMI, por outro lado, se comprometeu a fazer um exame das cinco maiores economias, incluindo China e Estados Unidos, para apontar como as políticas de cada país afetam a taxa de câmbio dos demais países.
Apesar do pouco progresso, os negociadores brasileiros consideram uma vitória terem colocado a chamada guerra cambial no centro da agenda do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do grupo das 20 maiores economias do mundo (G-20) nas discussões em Washington. Mas reconhecem que será um longo e incerto caminho até serem tomadas medidas concretas para corrigir os desequilíbrios entre as taxas de câmbio no mundo.
“O ministro (da Fazenda, Guido) Mantega deu muita sorte, conseguiu sem querer pautar o tema dominante da reunião”, disse um técnico do FMI ouvido pelo Valor. “Justiça seja feita, ele foi o primeiro a levantar a questão há quase um ano, na reunião de St Andrews”, disse um negociador brasileiro, referindo-se ao encontro dos ministros de economia do G-20 ocorrido na Escócia em novembro de 2009.
A guerra cambial dominou a agenda da reunião de outono do FMI e do Banco Mundial depois que Mantega fez um alerta sobre o tema em São Paulo alguns dias antes do encontro. As declarações viraram manchete no “Financial Times” e foram repetidas com destaque pelo jornal inglês e outros importantes meios de comunicação nos dias seguintes.
Embora não tenha saído nenhuma decisão concreta sobre o assunto, a delegação brasileira estava satisfeita porque o desequilíbrio cambial foi, pela primeira vez, discutido a sério por todos os países na reunião de técnicos do G-20 em Washington, que prepara a agenda para o encontro maior de chefes de estado na Coreia do Sul em novembro. “Antes, ficávamos sozinhos falando sobre o assunto”, diz um membro da delegação brasileira. Mantega tocou no assunto também no conselho do FMI que reúne os ministros da economia dos países membros do organismo.
O FMI, criado no pós-guerra justamente para colocar ordem nas disputas cambiais entre países, tenta se colocar no centro das negociações. O organismo estuda fazer ao mesmo tempo o relatório de avaliação das principais economias do mundo (o chamado artigo IV), incluindo Estados Unidos, China, Japão e União Europeia, com especial atenção aos desequilíbrios cambiais.
As negociações estão apenas começando, por isso é pouco provável um acordo na Coreia. “Os países ainda não conversaram entre si para defender essa ou aquela posição”, explica um negociar brasileiro. “O que existe é apenas a posição individual de cada um.”
Os Estados Unidos deixaram claro que têm um problema com a subvalorização da moeda da China e já tentaram resolver o impasse em negociações diretamente com o países asiático.
O Brasil também é prejudicado pelo câmbio chinês, mas Mantega tem se concentrado em em apontar os desequilíbrios cambiais causados pelos países desenvolvidos, sobretudo os Estados Unidos e a Alemanha.
A leitura de Mantega é que os Estados Unidos desistiram de estimular sua própria economia por meio de medidas fiscais e, agora, centram a sua estratégia apenas em medidas monetárias, que causam a desvalorização do dólar. Mantega diz que, em vez de estimular a sua demanda doméstica, os americanos querem voltar a crescer pegando carona na exportações a países emergentes, como o Brasil. “Nós fizemos nossa parte para estimular a nossa economia”, afirma o ministro.
Mantega defende que os Estados Unidos estimulem a sua economia com instrumentos fiscais, com os quais teria mais chances de despertar o consumo e investimentos privados. Os americanos, porém contemplam uma nova emissão de dinheiro pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), conhecida como expansão quantitativa. Quando os juros já estão próximos de zero, como ocorre hoje nos EUA, a emissão de dinheiro não é capaz de estimular a demanda doméstica. Seu único efeito é inundar o mercado internacional com dólares, levando ao enfraquecimento e desvalorização da moeda americana.
Mantega reconhece que a China terá que valorizar também a sua moeda, mas diz que não pode fazer o ajuste sozinha. “O ajuste tem que ser feito dos dois lados”, afirma o ministro. “O dólar é uma moeda internacional e os Estados Unidos têm um papel a desempenhar, não podem agir apenas com base nos seus interesses individuais de país.”