Dois modelos de concessão ferroviária poderão coexistir no Brasil a curto prazo: o atual, em que o concessionário administra e utiliza a malha, e um novo, no qual se prevê a separação das funções. Uma empresa vai gerir a infraestrutura e a operação dos serviços será feita por operadores ferroviários. A possibilidade de coexistência entre dois regimes diferentes existe porque a adesão ao novo modelo, pelas atuais concessionárias, será opcional.
Uma minuta do decreto presidencial sobre as novas regras de exploração ferroviária que circula no setor indica que as concessionárias que quiserem aderir ao novo modelo poderão solicitar ao governo a repactuação dos contratos. O novo modelo ainda está em discussão entre governo, concessionárias e usuários. E é motivo de divergências. A Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (Anut), que tem entre os associados grandes empresas das áreas de siderurgia, cimento, álcool e grãos, apoia o modelo.
“O modelo é bom para o país, para os usuários e para as concessionárias”, diz o novo presidente da Anut, Luis Henrique Baldez. Ele diz que o transporte ferroviário tem que atender o interesse dos usuários, os quais precisam pagar pelo serviço tarifas que reflitam o custo do transporte em regime de eficiência. “As ineficiências [das ferrovias] não podem ser transferidas para os usuários e estão sendo, o que se reflete em preços mais altos [dos produtos] para o consumidor final”, diz Baldez.
Ele afirma que o modelo atual de concessão de ferrovias funciona na forma de monopólio e a prática é de tarifas próximas ou até iguais às do setor rodoviário. Ele se refere ao fato de as concessionárias terem exclusividade na operação das malhas outorgadas, embora tenham que dar direito a outros concessionários utilizarem sua infraestrutura por meio do pagamento de tarifas. Baldez diz que para as novas ferrovias o modelo proposto pelo governo não enfrenta dificuldades. O problema é a aplicação do modelo para os contratos em vigor.
O modelo propõe o estabelecimento de metas de produção por trecho e não mais metas globais para toda a concessão, a retomada de trechos abandonados ou subexplorados e a possibilidade de que operadores ferroviários independentes entrem na malha das concessionárias atuais pagando uma tarifa pelo direito de passagem. “O problema não é o modelo, mas como adequá-lo às atuais concessões”, diz. Ele prevê que, embora no início os dois modelos devam coexistir, deverá haver uma migração rápida dos contratos existentes para o novo regime.
Rodrigo Vilaça, diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), que representa as concessionárias, discorda. “Não acredito que haverá migração dos contratos”, diz. Ele defende que o Brasil precisa ter um só modelo de concessão ferroviária e prega uma discussão ampla que inclua estudos sobre modelos aplicados em outros países e que podem ser adaptados à realidade do Brasil.
No mercado comenta-se que a proposta do governo baseia-se no modelo espanhol, que para a ANTF não é o mais adequado à situação brasileira. A ANTF tem prevista uma reunião sobre o tema com o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, nesta semana, disse Vilaça. Ele não quis comentar a possibilidade de o governo não renovar as atuais concessões, que começam a vencer em 2026, se prevalecer o entendimento de que os contratos devem ser feitos aplicando-se o novo modelo.
Na visão de Baldez, da Anut, caberá à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) regular como será a convivência entre os dois modelos. Bernardo Figueiredo, diretor-geral da ANTT, diz que diversas disposições podem ser regulamentadas independente do decreto sobre o novo modelo ferroviário. Até o fim deste ano a ANTT espera ter regulamentado três temas: o direito de passagem, as metas por trecho e o direito do usuário.
Já há uma regulamentação sobre o direito de passagem, definido como o direito de uma concessionária de entrar na malha da outra, mas a ANTT quer revê-la para criar regra que estimule o intercâmbio de trens entre as malhas, diz Figueiredo. Isso vai valer tanto para o novo modelo de concessão quanto para o atual.