A carne bovina brasileira tem enfrentado uma série de restrições sanitárias e burocráticas em alguns dos principais mercados importadores, o que já afeta as potenciais receitas com as vendas externas do produto. Os exportadores esbarram atualmente em dificuldades sanitárias nos Estados Unidos e União Europeia, além de questões comerciais com Rússia e Irã.
Se persistirem os problemas, o governo estima que o país deixará de exportar até US$ 2 bilhões em carne bovina até o fim de 2010 – só com as travas impostas pela UE, o “prejuízo” acumulado desde 2008 é calculado em US$ 1 bilhão, informa o Ministério da Agricultura.A situação ficou mais delicada com as recentes sanções impostas pelas Nações Unidas ao comércio com o Irã. Os bancos nacionais refluíram e deixaram de operar linhas de crédito e pagamento a exportadores com negócios no país persa. As indústrias de carne bovina estimam ter US$ 500 milhões a receber do Irã.
Mas as dificuldades começaram ainda em 2008, quando a UE decidiu impor restrições a fazendas que forneciam gado para abate para exportação da carne por questões de controle sanitário. À época, mais de 10 mil fazendas eram habilitadas a fornecer bois para abate à UE. A imposição de aprovações prévias pela UE derrubou a lista para menos de 100 propriedades rastreadas e certificadas.
Ministros e secretários visitaram Bruxelas desde então, mas a situação segue igual. “Temos discussões de fundo com eles. Mas já avançamos muito”, diz o secretário de Defesa Agropecuária, Francisco Jardim. Hoje, há 2.180 fazendas autorizadas.
A UE promete transferir a administração da lista de fazendas ao Brasil, mas ainda não driblou o forte lobby interno contra a abertura total à carne brasileira. “A crise não passou. A Europa tem problema político e econômico. Tem que dar fôlego para a Irlanda e isso trava nossas vendas”, afirma o diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec), Otávio Cançado.
O cenário nos EUA é semelhante. Desde o fim de maio, o mercado americano está fechado para a carne bovina industrializada do Brasil. Foram detectados resíduos acima do permitido do vermífugo ivermectina em carne industrializada exportada pela JBS, o que levou o governo a suspender temporariamente as exportações de todo o país aos EUA.
Houve várias reuniões entre autoridades dos dois países, e o Ministério da Agricultura brasileiro chegou a prever a retomada das vendas em agosto. Mas a restrição persiste e a situação até piorou porque, na prática, o Brasil perdeu o poder de recolocar as indústrias na lista de exportadores. Uma missão dos EUA está hoje no país para auditar os controles. “Está mais demorado do que se imaginava. Ainda há pequenos percalços”, admite o secretário de Relações Internacionais do ministério, Célio Porto.
O setor privado não sabe qual a real motivação do mau humor americano. A insistência do Brasil em vender ao Irã e a derrota dos EUA no contencioso do algodão são duas hipóteses. Mas também há forte pressão interna de consumidores e uma briga entre órgãos do governo pelo controle da qualidade de alimentos. “A questão política com o Irã prejudicou muito o Brasil”, admite Cançado.
Observador atento do setor de carne bovina, Pedro de Camargo Neto, avalia que as dificuldades recentes têm relação com o próprio avanço obtido nos últimos anos. “Quanto maior a altura, maior o tombo. Quem é líder tem de ter competência de líder”, afirma Camargo Neto, que é pecuarista e presidente Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs).
Em sua visão, os dois maiores problemas para o Brasil hoje são a UE e os EUA. “Com a UE, há uma perda irreparável de credibilidade e com os EUA também estamos num processo de perder credibilidade”, diz ele, referindo-se às idas e vindas do sistema de rastreabilidade do gado e ao episódio da ivermectina, respectivamente.
Ele critica o Ministério da Agricultura no episódio da ivermectina. “O ministério não deu uma resposta aos EUA sobre o que aconteceu em maio”, diz, inconformado. “É preciso dar as respostas certas e rapidamente”, acrescenta Camargo Neto, para quem “o setor privado cresceu mais rápido do que o governo”.