O aquecimento dos negócios no Brasil foi confirmado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O órgão antitruste recebeu 384 novas fusões e aquisições, entre janeiro e julho deste ano. A expectativa é ultrapassar 700 até o fim de 2010.
Se esse número for confirmado, ele vai representar, de um lado, um novo recorde e, de outro, um grande desafio. Recorde, pois em nenhum ano o órgão antitruste rompeu a barreira de 700 fusões e aquisições. O pico de fusões foi registrado em 2000, quando 668 negócios foram submetidos para julgamento. Desafio, porque será difícil o Cade julgar mais casos do que recebe. No primeiro semestre de 2009, o órgão antitruste recebeu 216 fusões e julgou 269, eliminando até parte de seu estoque. No primeiro semestre deste ano, a situação se inverteu. Foram julgadas 279 fusões, mas o Cade recebeu 341. Ou seja, o estoque aumentou.
“Esse ‘boom’ de fusões decorre do reposicionamento dos investimentos em todo mundo após a crise”, afirmou ao Valor o presidente do Cade, Arthur Badin. Para ele, muitas empresas estão buscando oportunidades em novos mercados e o Brasil se destaca nesse cenário.
“Sem dúvida, há uma correlação entre o número fusões e aquisições registrados no Cade e o aquecimento dos negócios”, avaliou o economista João Paulo Garcia Leal, que atua em vários processos perante o conselho. “Mas, a menos que se acredite que esse aumento vai durar pouco, o Cade deveria estar mais bem equipado, sobretudo com mais pessoal, melhor preparado e estável”, completou Leal, referindo-se à alta rotatividade de assessores no órgão antitruste.
Para Badin, o problema está na Lei de Defesa da Concorrência (nº 8.884), que define prazos e procedimentos para o julgamento de fusões e aquisições. A lei exige que cada negócio passe por pelo menos três órgãos: o Cade e as secretarias de Direito e de Acompanhamento Econômico (SDE e Seae) dos ministérios da Justiça e da Fazenda. “A lei é extremamente lenta e burocrática”, disse o presidente do Cade.
Badin dedicou praticamente todo o seu mandato, que vai terminar em novembro, para a aprovação de uma nova lei antitruste. O objetivo é dar maior estrutura para o Cade, que passaria a contar com funcionários de carreira e com boa parte da atual equipe da SDE. Além disso, a nova lei faria com que as fusões passassem apenas pelo Cade, tirando os negócios dos “guichês” da Seae e da SDE. Por fim, as fusões seriam aprovadas previamente, e não depois de realizadas, como acontece hoje.
O projeto do novo Cade foi aprovado na Câmara, mas sofreu alterações no Senado. Ao todo, foram mais de 30 emendas ao projeto original. As duas últimas foram apresentadas pelo senador Aloizio Mercadante (PT-SP) e tratam de detalhes, como a possibilidade de o Ministério Público participar de audiências do Cade sobre negócios que podem trazer riscos para a concorrência. Outra emenda determina que o ministro da Justiça seja ouvido antes de o Cade assinar acordos e convênios com órgãos internacionais.
No início do mês, a votação da lei do novo Cade foi adiada, após alguns senadores criticarem a fixação da multa por cartel em 30% do faturamento das empresas. É o mesmo percentual da lei atual, de 1994, mas como o Cade tem sido rigoroso nas decisões mais recentes, Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Francisco Dornelles (PP-RJ) avaliaram que o valor é muito alto, pois poderia levar empresas à falência. Resultado: o projeto saiu da pauta de votação.
Agora, o presidente do órgão aposta no “esforço concentrado” dos senadores na semana que vem. “Sem a aprovação do projeto, o Cade corre o risco de, infelizmente, não ter fôlego para lidar com esse fluxo benfazejo de investimentos”, alertou o presidente do Cade. “No mundo todo, somente Egito e Paquistão têm o mesmo sistema da lei brasileira”, disse. “Queremos alinhar a lei brasileira às melhores práticas internacionais, como as existentes na União Europeia, Estados Unidos, França, Alemanha, México e outros 88 países.”
A nova lei antitruste, se aprovada, vai trazer um desafio a mais para o Cade, avalia Leal. Isso porque, hoje, as empresas concluem os seus negócios e, se o Cade não suspender, elas podem “tocar a vida” – seguem com a fusão até o julgamento final. Mas, uma vez aprovada a lei, a fusão terá de esperar por esse julgamento. “Os prazos vão passar a correr contra o novo Cade”, prevê o economista.
Hoje, esses prazos estão cada vez mais curtos. Em 2000, o órgão antitruste demorava, em média, 87 dias para julgar um negócio. Hoje, essa média caiu pela metade. Está em 42 dias.
O levantamento do Cade leva em conta fusões e aquisições que envolvem mais de 20% de um determinado mercado ou negócios realizados por empresas que faturam mais de R$ 400 milhões.