A China continua a surpreender e amedrontar o mundo. O novo recorde de exportação, com crescimento de 44% em junho comparado ao mesmo mês do ano passado, reacendeu questões sobre sua moeda fortemente valorizada. E a expansão de 34,1% das importações, bem abaixo dos 48,3% de maio, confirma a “acomodação” da demanda doméstica, que poderá se manter nos próximos meses.
Desde que o Banco Central chinês anunciou, em 19 de junho, que estava abandonando a indexação do yuan ao dólar americano, a moeda chinesa só se valorizou cerca de 0,80%, ou seja, algo para inglês ver. Certos economistas calculam que o yuan está desvalorizado em 30%, dando uma vantagem gigantesca para os produtos chineses já baratos.
É verdade que os chineses quase nunca tomam medidas sob pressão internacional e reagem no seu próprio ritmo. Em todo caso, como diz Alfredo Valladão, professor do Instituto de Ciência Política de Paris e novo presidente do conselho curador da entidade UEBrasil, é um absurdo pensar que o câmbio vai mudar o intercâmbio comercial chinês com o resto do mundo. Uma valorização súbita do yuan desestabiliza as finanças internacionais. O que pode mudar o intercâmbio é se o chinês começar a consumir. Hoje, a China tem uma das mais baixas taxas entre consumo final e Produto Interno Bruto (PIB), por volta de 30%, comparado a 70% no resto do mundo.
Para Valladão, a China só vai comprar mais no exterior se fizer reformas no país. “Não é questão de ter moeda mais forte”, diz ele. “Se não há seguro social, o chinês vai continuar a poupar muito. E só há consumo importante com liberalização do crédito. Ora, o controle do crédito é a principal arma de poder que o Partido Comunista dá para os amigos, para os dirigentes locais etc.”
Mesmo se o yuan se valorizar, Pequim vai continuar tentando abocanhar fatias de mercados externos, dopado por financiamento subsidiado para a produção. E como os Estados Unidos e a Europa estão crescendo pouco, Pequim só pode manter a alta de exportações de 20% por ano, em média, se vender mais para a América Latina e a África, para compensar as perdas com os dois parceiros gigantes.
Nesse cenário, o Brasil tende a contabilizar perdas. Na América Latina, para onde o país exporta 25% de seus produtos com valor agregado, as exportações chinesas aumentaram até 400%, segundo o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge. Na África, o Brasil perde no setor de serviços. É a única região para a qual as exportações brasileira caíram nos últimos tempos, conforme o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral.
O Brasil deve se preparar também para os efeitos de acordos de livre comércio que a China assinou com o Chile e o Peru. Os dois são membros da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi). Pela sua regra de origem, o produto para obter a preferência (redução tarifária no mercado do parceiro), precisa ter 50% do conteúdo local. Mas negociadores admitem que será extremamente complicado calcular esse percentual quando envolver produtos chineses. Na prática, haverá triangulação de comércio e mais exportações chinesas para o mercado brasileiro.
Produtores brasileiros devem se acostumar igualmente com concorrência mais acirrada, porque em 2016 a China terá automaticamente o status de economia de mercado reconhecido pelos parceiros, pelos termos de sua adesão na Organização Mundial do Comércio (OMC). O Brasil não poderá mais aplicar medidas antidumping baseadas no preço de terceiro país. Terá que enviar missão a China para examinar o preço da produção local.
Recentemente, pela prática atual, o Brasil determinou dumping de US$ 13,85 por par de calçado chinês. E para evitar uma longa investigação, o país aumentou de 2% para 35% a tarifa de importação de caminhões com guindaste procedentes da China. Isso tudo será mais difícil dentro de alguns anos.
“A China é um problema que tem de ser enfrentado, não adianta tapar o sol com a peneira”, diz Miguel Jorge. Ele promete atenção redobrada sobre as importações. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior atua mais em cooperação com o Ministério da Fazenda e Receita Federal, para atacar também o subfaturamento.
Em Madri, na recente cúpula UE-América Latina e Caribe, Carlos Mariani, representante da Confederação Nacional da Indústria (CNI), disse aos europeus que o temor brasileiro é com a China e não com a indústria europeia, e alertou que a Europa também perde terreno na América Latina em proveito de Pequim.
Valladão nota que, de um lado, boa parte da produção chinesa é feita por empresas europeias que se instalaram naquele país. Mas, de outro, tem muitas empresas europeias sofrendo com a concorrência de Pequim.
Assim, ele vê entre o Brasil e a Europa certos interesses comuns para se manterem competitivos frente à China. Acha que está na hora de europeus e brasileiros cooperarem mais em cadeia produtiva, investimentos cruzados e dentro da OMC em matéria de antidumping contra Pequim, por exemplo. “Todo mundo precisa da China, mas o Brasil e a UE podem ajudar Pequim a sair da noção de multilateralismo lucrativo, de que o sistema tem ônus também e não só vantagens”.