Redação (12/03/2009) – O ano de 2009 não tem sido nada fácil para os suinocultores. O recuo das exportações brasileiras de carne suína no último trimestre de 2008, gerou excedente no mercado interno e derrubou os preços pagos aos produtores. O aumento na cotação do milho e do farelo de soja, decorrentes da quebra parcial da safra brasileira, agravou ainda mais esse cenário, na medida em que elevou a pressão sobre os custos de produção do setor.
O estrago tem sido grande. Hoje os suinocultores operam no vermelho em praticamente todas as regiões do País. Para se ter uma ideia, o prejuízo por animal terminado no Paraná é de R$ 60,00, de R$ 70,00 em Santa Catarina e de R$ 80,00 no Rio Grande do Sul.
Os suinocultores já recorreram ao Governo Federal. No mês passado, representantes da cadeia produtiva levaram ao ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, uma extensa lista de sugestões e reivindicações. Até agora poucas foram atendidas. E as que foram ainda não surtiram efeito no campo.
Ações práticas – O agravamento da situação dos suinocultores foi o principal assunto da pauta da reunião do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira dos Criadores de Suínos (ABCS), realizada na terça-feira passada (10/03), em São Paulo (SP).
Reunidas, as principais lideranças do setor suinícola discutiram o que se pode fazer para minimizar os impactos da crise sobre o setor produtivo. Da reunião já saíram algumas propostas concretas.
Uma delas é a formação de estoques com recursos do Empréstimo do Governo Federal (EGF), uma antiga reivindicação do setor. “Essa é uma medida imediata que temos certeza que poderia repercutir de forma positiva”, avalia Rubens Valentini, presidente da ABCS.
A ABCS já trabalha também para agendar uma audiência com os ministros do Planejamento, da Fazenda e da Agricultura. “Estamos programando uma visita ainda para o mês de março. Vamos reunir todos os líderes do setor e todo o apoio político que pudermos nos Estados, através dos parlamentares estaduais e federais de nossa base, para conversar com os ministros do Planejamento, Fazenda e Agricultura”, explica Valentini.
Suinocultura Industrial teve uma longa conversa com o presidente da ABCS. Nela, Valentini falou sobre como a crise vem afetando a atividade e sobre o que pode ser feito para minimizar seus impactos no segmento de produção. Também falou abertamente sobre temas espinhosos como a relação entre produtores, indústria e varejo e sobre a pouca atenção que o Ministério da Agricultura dá ao setor. Os principais trechos desse bate-papo você confere a seguir.
Suinocultura Industrial – Apesar da crise financeira internacional, os suinocultores encerraram 2008 confiantes quanto ao desempenho do setor em 2009. No entanto, desde o início do ano os produtores estão pagando para produzir. Isso ocorre em praticamente todas as regiões do Brasil. Que fatores explicam essa crise que o setor suinícola atravessa atualmente?
Rubens Valentini – Primeira coisa é que o suinocultor é um otimista, porque senão nem seria suinocultor. Mas a crise aqui é decorrente da crise internacional em dois sentidos. Um deles é a questão das exportações. O Brasil enviou menos carne suína em novembro e dezembro, e isto significou uma diferença de 80 mil toneladas nas exportações do ano passado.
Mas também há conexão com a crise internacional em relação ao aspecto financeiro. É conhecida a dificuldade financeira de algumas empresas do setor e isso tem dificultado bastante o fluxo do comércio doméstico.
Os clientes do Brasil cortaram demanda para proteger seus mercados, aumentando a oferta interna. O preço do suíno caiu significantemente para o suinocultor desde outubro do ano passado e só agora, muito recentemente, que estamos observando o movimento de queda dos preços no varejo. Isto significa que a partir de agora a queda no varejo pode estimular uma maior demanda doméstica, que tenderá a liquidar esse excedente que pode ter ficado em função da queda das exportações.
Na verdade, em janeiro deste ano já exportamos mais que no mesmo mês do ano passado. E em fevereiro de 2009 exportamos mais que em fevereiro de 2008. Isso quer dizer que a situação não deveria ser tão dramática como está sendo.
SI – Uma das principais reclamações dos suinocultores brasileiros é que enquanto os preços pagos pelo quilo do suíno vivo despencam, os preços da carne suína no varejo têm se mantido estáveis. Em sua opinião que fatores explicam esse fenômeno?
Valentini – Quem paga o produtor é a indústria. E o varejo, através de suas associações, argumenta que esta queda não chegou a eles em um primeiro momento. O que temos absoluta certeza é que aumentou substancialmente o marcap [índice de preço de venda] entre o preço do suíno vivo e do produto final. E a gente não tem certeza onde isso ficou, se na indústria ou se no varejo.
SI – Em sua opinião essa é uma crise do setor suinícola ou apenas dos produtores?
Valentini – É uma crise do setor suinícola. E mais, é uma crise do setor avícola também. Possivelmente se tem uma situação mais grave na área de avicultura, onde há grandes estoques acumulados. E como as principais indústrias são produtoras de aves e suínos, qualquer crise que se abata sobre um segmento acaba se refletindo no outro. Especialmente porque a avicultura tem o faturamento maior do que a suinocultura, então a crise na avicultura reflete diretamente na suinocultura.
SI – Diante do agravamento da situação dos suinocultores, a ABCS convocou em fevereiro uma reunião de emergência e entregou ao ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, uma pauta de reivindicações visando minimizar os impactos dos efeitos da crise que se abateu sobre a atividade. O governo federal vem atendendo essas reivindicações?
Valentini – Foram feitas diversas reivindicações. E inicialmente foram reivindicações conjuntas de toda a cadeia produtiva. Efetivamente o governo atendeu algumas dessas reivindicações. Ele atendeu fundamentalmente algumas das demandas do setor industrial. Infelizmente, o atendimento de algumas destas demandas como o aumento do capital de giro, aumento dos limites de EGF [Empréstimo do Governo Federal], aumento dos limites de custeio do suinocultor integrado e assim, sucessivamente, não resultaram em nenhuma mudança de preço para o produtor.
A única medida de nossas reivindicações que o governo atendeu, ainda de forma muito superficial, foi a reativação da linha de crédito de retenção de matrizes, que nós indicávamos que ela fosse proporcional ao tamanho do plantel. E, na verdade, que também fosse apenas cumprida uma norma do manual de crédito rural, que os animais pudessem garantir o próprio financiamento. Infelizmente saiu uma medida do Conselho Monetário Internacional, recomendando que os bancos financiassem até R$ 100 mil para retenção de matrizes, mas sem realçar a nossa demanda, de que a garantia fossem os próprios animais. E como esta é uma medida da semana passada, ainda não chegou de fato ao banco para que o suinocultor possa usufruir dela.
SI – O setor suinícola parece não ter muita força ou não ser lhe dada a devida importância dentro do Ministério da Agricultura. O próprio presidente da Abipecs deu declarações nesse sentido. Há como modificar esta situação?
Valentini – De fato o setor não tem muita força, mas não apenas perante o Ministério da Agricultura. Não temos muita força perante o governo. Na área das negociações internacionais, o Ministério das Relações Exteriores não dá nenhuma relevância à suinocultura. No caso do Ministério da Agricultura, não sei se é exatamente uma ação com a suinocultura. Acredito, que de uma forma geral, existe lentidão de ação para todos os segmentos produtivos, seja na área de defesa sanitária, ou na negociação de acordos sanitários internacionais. Acho que o tempo de resposta é muito longo e isso nos prejudica sensivelmente. Mas acredito que isso não seja um privilégio do setor suinícola apenas. Outras áreas têm as mesmas reclamações.
SI – Um dos principais assuntos dessa reunião do Conselho Deliberativo da ABCS, senão o principal, foi justamente a crise que castiga o setor. A ABCS chegou a definir novas ações e/ou medidas para minimizar os impactos desse período turbulento? Quais?
Valentini – Temos uma série de medidas a médio e longo prazo que vamos continuar tratando, que envolvem as reivindicações já apresentadas. Mas temos uma medida imediata, que temos certeza que poderia repercutir de forma positiva, que é a possibilidade de fazermos estoques de carcaça suína com recursos de EGF. Para isso é necessário que se estabeleça preços mínimos de carcaça e preço de referência de suíno vivo.
Infelizmente essa é uma reivindicação bastante antiga. O setor fala sobre isso desde outras crises e até hoje essa medida não saiu. Então, nossa deliberação foi de colocar todo o esforço possível, nos concentrando especificamente na obtenção deste preço mínimo. Então combinamos que faremos uma visita com todas as lideranças nacionais, ainda no mês de março. Vamos acertar as agendas, para conversar com os ministros do Planejamento, Indústria e Comércio, Fazenda e Agricultura. Vamos reunir todo o apoio político que pudermos nos Estados. Através das bancadas e associações estaduais e também bancadas federais dos Estados.
SI – Em tempos de crise global e de recessão econômica dos países desenvolvidos a exploração do potencial do mercado interno brasileiro para o consumo da carne suína ganha maior importância. A campanha “Um novo olhar sobre a carne suína” vem obtendo bons resultados nesse sentido. Quais serão os próximos passos da campanha?
Valentini – Os próximos passos são tornar a campanha permanente, sistemática, complementando-a daquilo que aprendemos durante os primeiros meses. Afinal, já são dois anos e pouco da campanha. Deveremos fazer a extensão de uma série de ações para dentro de pequenos e médios frigoríficos, capacitando-os tecnologicamente para produzir cortes especiais, industriais. Desta forma podemos superar a maneira tradicional e completamente inadequada de enviar para o varejo a carcaça suína inteira para ser manipulada pelo ponto de venda. Isto é um absurdo, ultrapassado. É a mesma coisa que negociar quarto de boi, que é proibido desde 1992/93.