Redação (30/03/2009)- A crise financeira mundial e as atenções voltadas aos desdobramentos da reunião do G-20, o grupo das economias mais influentes do mundo, fizeram passar quase despercebida uma atitude importante na política externa brasileira. A novidade que deixou de ganhar atenções é a notícia de que Mahmoud Ahmadinejad, o polêmico presidente do Irã, vem ao Brasil até junho. Essa é a expectativa das autoridades brasileiras, que, na semana passada, receberam uma missão iraniana de alto nível chefiada pelo ministro de Relações Exteriores do Irã, Manouchehr Moutakki.
A maneira como vem sendo conduzida a visita de Ahmadinejad é esclarecedora do modus operandi da diplomacia brasileira. O presidente iraniano mostrou interesse em vir ao Brasil já no fim de 2007, quando informou ao Itamaraty da vontade de incluir Brasília em um roteiro de visitas que já previa viagens a Venezuela e Bolívia. O governo brasileiro agradeceu ao Irã pela oferta, mas sugeriu outra maneira de fazer a visita. Em vez de ser uma escala num tour onde Ahmadinejad arrancou até aplausos de Hugo Chávez por seu programa nuclear, o Brasil passou a ser um destino singular no esforço iraniano para estreitar laços com a América Latina.
Em 2008, Celso Amorim e uma comitiva de autoridades visitaram Teerã; na semana passada, Moutakki e vários ministros iranianos foram a Brasília, e encontraram-se com uma impressionante missão de quase 60 executivos do setor privado brasileiro. O Brasil tem recebido uma média de três ministros iranianos em visita por ano. Toda essa dança diplomática deve culminar, até o início de junho, na visita do presidente iraniano ao Brasil, em pleno período eleitoral naquele país, segundo informou ao Valor o próprio Celso Amorim.
“É um grande país, não só economicamente, mas também por sua história, sua sociedade dinâmica, em transformação”, comenta Amorim, que ressalta o interesse dos empresários brasileiros em ampliar as relações com os iranianos.
Habitualmente irritado quando os jornalistas tentam avaliar os esforços de relações exteriores do Brasil somente por seus resultados econômicos, Amorim é o primeiro a chamar a atenção para o aspecto comercial e de investimentos dessa aproximação entre Brasil e Irã.
O governo Obama, não faz muito tempo, voltou a mencionar a paranoia dos EUA com o suposto apoio ao terrorismo internacional por parte de imigrantes na fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai, que, segundo o comandante da Quarta Frota, James Stavridis, teria influência iraniana. Mas, ao mesmo tempo, o presidente Barack Obama tem feito sinais ao governo iraniano de distensão nas relações bilaterais. Sabe-se, na Casa Branca, que a cooperação iraniana é fundamental para resolver uma das prioridades da política externa de Obama, a situação política do Afeganistão.
O governo brasileiro não ignora a repercussão política de seu aval aos gestos de aproximação Ahmadinejad. Até por causa disso, faz questão de apontar o peso político do país, e de comemorar as oportunidades de negócios que as autoridades iranianas abrem ao Brasil. Amorim, quando provocado, comenta que discorda das sanções econômicas como instrumento de pressão sobre Teerã. “A mão estendida do presidente Obama ao Irã é um fato muito positivo; não adianta imaginar que se vão resolver de outra forma as pendências com o país”, comenta Amorim, que concorda com os esforços internacionais para evitar a maior ameaça na região, um programa nuclear iraniano com fins bélicos.
Moutakki, antes de deixar Brasília, na semana passada, comemorou o que definiu como uma nova etapa no relacionamento com o Brasil. O Irã é grande produtor de petróleo, mas importa 40% da gasolina e diesel que consome, e é o único país da região com uma produção significativa de cana-de-açúcar. Já aderiu a manifestações internacionais contra o álcool combustível, levantadas por países como Cuba, mas é visto como um parceiro possível nessa área pelos brasileiros. Em 2007, foi o principal mercado das exportações brasileiras de milho, o segundo de açúcares e produtos de confeitaria, o terceiro de óleo de soja, o quarto de carne e miudezas e o sexto de outros grãos de soja. O Irã foi o principal mercado para o Brasil no Oriente Médio em 2006 e 2007 e a maior fonte de superávit (US$ 1,1 bilhão em 2008).
Em 2008, as vendas do Brasil aos iranianos sofreram um tombo, e caíram de mais de US$ 1,8 bilhão para cerca de US$ 1 bilhão, em grande parte pela preferência de Teerã por parceiros mais alinhados politicamente, como Cuba. Ajudaram nesse mau desempenho a valorização do real em relação ao dólar e a resistência dos bancos brasileiros em aceitar cartas de crédito dos bancos iranianos sem confirmação por parte de bancos europeus de primeira linha.
Os iranianos cortejam a América Latina num esforço para romper o bloqueio econômico de que são alvo por parte dos países que, como definiria o presidente Lula, são governados por gente loura de olhos azuis. Desde outubro de 2007, o país promove uma política de privatização, mas ainda é pequeno o fluxo de investimentos estrangeiros, que os iranianos já informaram que querem formar um grupo de trabalho para aumentar esses investimentos com capital brasileiro, especialmente em áreas como siderurgia e indústria petrolífera e petroquímica (a Petrobras tem áreas de exploração lá).
Na pauta com o Brasil, estão também negociações para estreitar as relações entre os respectivos sistemas bancários – hoje pouco favoráveis ao aprofundamento do comércio bilateral. Amorim lembra que Lula foi criticado, no passado, ao visitar países quase-párias como a Líbia de Muhamar Kadafi, e a Síria, para, logo depois, o mundo assistir a gestos das potências ocidentais de aproximação com os mesmos governos. O Irã, agora, é uma das principais estrelas do horizonte internacional. E está na mira do Brasil. Podem-se fazer muitas críticas à diplomacia brasileira. Mas, seguramente, não se pode acusá-la de ser acomodada.