A Conferência do Clima de Copenhague subiu no telhado há poucos dias, quando os líderes dos dois países que mais emitem gases-estufa no mundo, Estados Unidos e China, avisaram o resto do planeta que um acordo climático forte e de verdade não sairá em dezembro deste ano. Barack Obama e Hu Jintao jogaram a toalha e a Europa suspirou. O líder mais poderoso do mundo parece não querer fazer nada no exterior sem sinalização doméstica, Pequim não quer fazer nada sem Washington, e a Europa, para quem uma crise econômica no meio do caminho agravou conflitos internos, finalmente encontrou uma boa desculpa (os outros) para poder adiar as coisas. A 11 dias de Copenhague existe apenas uma certeza: o fosso entre o que diz a ciência e o que querem fazer os políticos nunca foi tão abissal.
Não que a ciência também seja unânime (os 5% de céticos sempre colocam a dúvida que os demais terráqueos têm agido em transe de paranoia coletiva) ou forneça dados absolutamente coerentes e incontestáveis. Mas o dado científico mais eloquente diz que o mundo precisa cuidar para não ultrapassar as 450 partes por milhão (ppm) de concentração de CO2 na atmosfera em 2050. Este indicador limitaria o aumento da temperatura a 2°C no fim do século, o que deixaria a Terra um lugar mais seguro para se viver. Na segunda-feira, a Organização Meteorológica Mundial, das Nações Unidas, disse que as concentrações já estão em 385,2 ppm, o maior nível já registrado, e continuam aumentando. Seria assim mesmo, segundo as previsões do IPCC, o braço científico da ONU: as concentrações atingiriam o pico em 2015 e depois cairiam drasticamente até porque a ordem das coisas não pode ser alterada de uma hora para outra. O problema é que só a primeira parte desta premissa parece estar se confirmando.
Na matemática do clima, para ficar na margem de segurança dos 2°C, as reduções globais deveriam ser algo entre 40% e 60%. Por ora, os países fazem promessas de 17% a 20% no máximo à exceção do Japão (25%) ou da Noruega (40%). “A minha leitura de Copenhague é que todo mundo vai querer ficar bem na foto, mas compromissos, de verdade, serão pequenos”, avalia o físico José Goldemberg. “Os governos vão esperar a situação ficar mais grave para tomar providências.” Isto significa que a conta vai ficar mais cara econômica, social e moralmente.
Os ambientalistas têm dito que no atual estágio da negociação ainda é possível haver um acordo minimamente ambicioso em Copenhague. Não estão todos cegos e surdos ou sofrendo de complexo de Poliana. Eles apostam na vontade política de acertar números de redução de emissão compatíveis com o tamanho do problema para os países ricos, de desvio na curva de emissões para os em desenvolvimento e de suporte financeiro para quem precisa.
É a ladainha do circo diplomático do clima desde a conferência de Bali, em 2007, e que não decola. Quem imagina que Copenhague seja apenas um acordo ambiental não entendeu nada. O acordo é difícil porque não se trata “somente” de salvar o planeta daqui a 100 anos, mas porque há muito receio de se criar desequilíbrios no presente. Há quem se assuste muito com a seguinte ideia: se China e Índia, por exemplo, não tiverem suas emissões limitadas, os produtos japoneses estão ameaçados de perder competitividade. Por quê? Porque em países onde a fabricação de algo é dependente da queima de carvão ou do petróleo, se as emissões dos gases-estufa que são produzidos ali forem limitadas, fica mais caro gerar energia. Mas e se isto não acontecer no vizinho? Na especulação acima, as fábricas poderiam sair do Japão e escolher entre ir para China ou Índia.
O acordo “ambicioso”, que durante um período se imaginou ser possível de atingir em Copenhague, é de uma complexidade incrível. Terá que definir, por exemplo, a qual país do globo podem ser lançadas as emissões aéreas de voos sobre o Atlântico. Ou como remunerar quem preserva florestas nativas e quem quer plantar o que quer que seja em lugares já desmatados. Ou ainda qual mecanismo criar para que a transferência de tecnologia dos países ricos aos pobres realmente aconteça e que consiga resolver o nó ancestral de que tecnologias costumam ser propriedade privada e a demanda climática é imensamente pública. Não há nada simples neste negócio. Imaginar que tudo isso seria resolvido num estalar de dedos é ingenuidade ou desconhecimento. Mas, sim, se acreditava que Copenhague resolveria os grandes temas, que é sempre bom repetir: o quanto cortariam os ricos, o quanto desviaram os emergentes de sua curva crescente de emissões, quanto dinheiro se colocaria na mesa para os países mais pobres e mais afetados. Mesmo num cenário ideal, os detalhes ficariam para depois. Copenhague é um processo, mas poderia (ainda pode?), ser também um marco histórico.
Todos os dias há um estudo científico novo descrevendo um horizonte de horrores. O denominador comum de tanta informação é que o aumento do nível do mar, o derretimento da calota polar e o aumento da temperatura observado é, em geral, muito maior do que o previsto pelo IPCC no relatório publicado em 2007 com dados de 2005. “Todos os novos estudos jogam as estimativas para cima”, diz o físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo e membro do IPCC. “Não conheço nenhum novo trabalho publicado que reveja nossas previsões para baixo.” Em outras palavras, tudo está acontecendo de forma mais acelerada e pior do que as previsões. Artaxo prefere um acordo light em Copenhague a nada. Assim, imagina, o grande e ambicioso acordo poderá ser feito em seis meses e revisado em um ano. O risco do atraso em Copenhague é que a luz vermelha se acenda. “Atrasar em seis meses as decisões significa atrasar em seis meses a redução de emissões. E como indicam os últimos estudos estamos caminhando a passos largos para o ponto do colapso”, lembra Carlos Rittl, coordenador do programa de mudança climática do WWF-Brasil.