Redação (23/10/2008)- Se no mercado de sementes, cuja programação de vendas para este ano está encerrada e a preocupação já está concentrada em 2009, em fertilizantes e defensivos as indústrias temem pelos volumes que ainda têm de ser comercializado conforme as projeções atuais, que representam pelo menos 25% do total anual.
E se as empresas dessas áreas podem comemorar os ótimos resultados obtidos até agosto, antes do aprofundamento da crise financeira global, aos produtores que ainda precisam comprar resta esperar pela aceleração da liberação de recursos por parte dos bancos, já que as indústrias seguem relutantes até para aceitar a tradicional troca de insumos pela futura produção de grãos.
A situação é mais complicada no mercado de fertilizantes, não por acaso o insumo que mais subiu no mercado internacional – e no doméstico, que depende de importações – com a forte demanda puxada pelos países emergentes e pela "disputa" entre alimentos e biocombustíveis por produtos agrícolas.
Segundo a Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), em setembro as entregas das empresas misturadoras (que vendem o produto final) às revendas no país foram 5,8% superiores às de agosto, mas 25,3% menores que em setembro de 2007. Sazonalmente, é no fim do terceiro trimestre que a demanda se aquece mais, e o resultado entrou na conta da crise de crédito – ainda que, em parte, decorra do forte movimento de antecipação das compras que deu o tom no primeiro semestre, como ressalva Eduardo Daher, diretor-executivo da Anda.
De janeiro a setembro foram entregues 18,213 milhões de toneladas, 4,1% mais que em igual período de 2007, e o segmento já reduziu sua projeção para as vendas totais para 2008. Se antes havia quem previsse até 27 milhões de toneladas, um novo recorde, agora já há quem diga que um empate com o ano passado (24,6 milhões) já é ótimo negócio.
As importações, que alimentam quase 70% da demanda nacional, caíram quase 20% em setembro em relação ao mesmo mês de 2007 e ainda acumulam alta de 6,9% nos nove primeiros meses do ano, mas rastejam em outubro. Fontes da área informam que a programação de chegada de navios com o insumo contempla, até agora, menos de 1 milhão de toneladas, ante as 1,670 milhão de outubro de 2007, e que para novembro estão garantidas apenas 330 mil.
Os departamento de vendas das grandes empresas do ramo querem crer que a recente queda de preços de seus produtos reanimará a demanda, mas sabem que a valorização do dólar pode anulá-la. Mas eles também sabem que, na pior das hipóteses, a receita total com as vendas no país vai superar R$ 30 bilhões, segundo estimativas de mercado, em 2008, ante os R$ 17 bilhões de 2007.
Com o caixa reforçado, grandes empresas como Fosfertil, Bunge, Mosaic, Yara (essas três múltis controlam a Fosfertil) e Copebrás, entre outras, não pensam em cancelar investimentos para elevar a oferta nacional, cobrados pelo governo. A Anda estima em mais de US$ 4 bilhões os aportes totais em quatro anos. Conforme da conjuntura, o ritmo dos projetos pode recuar, mas, por enquanto, o Valor apurou que eles deverão ser mantidos. No caso das múltis, até em razão dos bons resultados esperados em seus balanços globais, que garantem crédito no exterior, ainda que mais caro.
Receita também não parece ser o problema das empresas de defensivos. Logo na primeira semana de explosão da crise, a Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef) finalizou as contas sobre as perspectivas do mercado nacional. A previsão era de crescimento de 25% das receitas em relação a 2007, para US$ 6,8 bilhões. A entidade não pretende revisar os números, mas fontes da área dizem que isso poderá acontecer, já que a preocupação com o que resta das vendas cresceu desde então.
Até agosto, o avanço foi de 36%, o que significou manutenção do ritmo de 2007. Como o espocar da crise ocorreu em setembro, as vendas ficam mais sensíveis na comparação com outros insumos, já que elas costumam ocorrer após as aquisições de sementes e adubos. Do volume previsto para ser utilizado na safra 2008/09, faltam ser vendidos 40%, segundo José Otavio Menten, diretor-executivo da Andef. "Até setembro o mercado andou bem. Depois é que começou a fase nebulosa e ninguém sabe o que vai acontecer".
Quase 50% de todas as vendas de defensivos no país são destinadas à soja. O grão atingiu seu pico histórico de preço em julho e, depois disso, iniciou uma forte trajetória descendente. Na bolsa de Chicago, referência internacional para a formação de preços, a queda é de cerca de 50% desde então, o tem levado ao temor de margens negativas na comercialização – e isso faz com que muitos produtores acabem reduzindo o uso de defensivos para conter gastos.
Uma das culturas que podem ser mais afetadas pelos reflexos da desaceleração nos defensivos é o algodão, avalia Menten. Do custo total para produção da pluma, o insumo representa de 35% a 37%.
A indústria também é afetada pela alta do dólar. As importações de produtos técnicos (matérias-primas utilizadas para a formulação do produto final no Brasil) equivalem a US$ 2 bilhões. "Nem tudo será afetado porque parte das importações foi feita antes da alta do dólar", diz.
Se é crescente a preocupação nas áreas de adubos e defensivos com 2009 – que ainda está "muito escuro", segundo Daher, da Anda -, na área de sementes, que não sofreu em 2008, ela é maior. Tanto que a Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem) já prevê queda de 5% das vendas das principais cultivares – soja, milho, trigo, algodão e arroz.
"Não fomos afetados porque as sementes são compradas com antecedência, antes da crise", diz José Américo, superintendente da associação. Ao contrário: o órgão estima um incremento médio nacional na safra 2008/09 de 15% na taxa de utilização de semente (a área plantada com semente certificada), que em 2007 foi de 1,8 milhão de toneladas. O faturamento, de R$ 5 bilhões no ano passado, também deverá acompanhar a alta das vendas este ano.
Mas, para a próxima safra, a tensão já é visível entre os produtores de milho safrinha, que começam a plantar em fevereiro. "A possibilidade de redução na venda de sementes é real. No campo só se fala nessa crise", diz Almir Rebelo, produtor de soja e milho em Tupanciretã, no Rio Grande do Sul. Segundo ele, a preocupação cresceu porque os produtores já estavam trabalhando com custos altos, antes mesmo de a crise estourar. Com o insumo mais caro, a situação tende a piorar.
A principal crítica, é claro, é com o aperto de crédito. "Não tendo recurso ninguém vai arriscar produzir um milho com custo alto que vai ser vendido a um preço menor em função da crise financeira", diz Rebelo. "O governo diz que libera o dinheiro, mas os bancos não soltam, alegando riscos. De quem será a responsabilidade da quebra da safra no país e os seus impactos?", pergunta.