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OMC, entre o fracasso e a mediocridade

<p>Com base nos primeiros três dias da reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), uma coisa é certa: qualquer dos cenários que acabar prevalecendo estará longe de ser auspicioso.</p>

Redação (28/07/2008)- Por Marcelo de Paiva Abreu, Ph.D. em economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio – É certamente audacioso escrever sobre a Rodada Doha em momento de indefinição, antes de saber o que ocorrerá no fim da semana. Com base nos primeiros três dias da reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), uma coisa é certa: qualquer dos cenários que acabar prevalecendo estará longe de ser auspicioso. Com os grandes protagonistas, como os Estados Unidos e a União Européia, preferindo a mediocridade à ambição, os cenários possíveis são ou o fracasso total das negociações ou avanços modestos, com a obtenção de equilíbrio medíocre de "concessões".

Embora a probabilidade de fracasso completo da reunião seja baixa, está longe de ser totalmente desprezível. Já se vislumbram os possíveis vilões da peça: a França, na defesa do protecionismo agrícola, a China e a Índia, mesclando protecionismo agrícola e industrial, e a Argentina, obstinadamente resistente à redução das tarifas industriais. Isso para não falar de descontentamento entre as economias em desenvolvimento, que poderão contestar a eficácia da sua representação no "salão verde", reservado aos eleitos. Em comparação, Estados Unidos e Brasil, apesar de protagonistas de espetacular "shadow boxing" circense, com direito a menções a Goebbels e ao holocausto, parecem comparativamente flexíveis. Eventual inflexibilidade brasileira decorreria da rigidez originada de seus acordos formais e informais com a Argentina, no Mercosul, e com a China e a Índia, no âmbito do G-20. As escolhas brasileiras podem tornar-se escolhas de Sofia.

Fracasso na reunião atual significa postergar a conclusão da rodada por dois ou três anos. Tenderia a enfraquecer a OMC e aumentar a sua leniência em relação ao protecionismo. Mas esse argumento tem mostrado fadiga em meio a uma sucessão de reuniões da OMC marcadas por falta de ambição. O argumento de que é melhor um resultado medíocre do que nenhum resultado tem sido usado com desenvoltura excessiva. A justificativa central para as rodadas multilaterais de liberalização é a possibilidade de desmantelamento de lobbies protecionistas enraizados nacionalmente com base nas pressões de exportadores interessados na expansão de seus mercados. Com a proliferação de arranjos para acomodar produtos "sensíveis", a justificativa perde boa parte de seu vigor. Um fracasso retumbante poderia ajudar a concentrar as mentes e deslanchar processo que busque revigorar o combalido sistema multilateral de comércio.

Não se deve menosprezar a pujança dos interesses para que a rodada seja declarada um sucesso, qualquer que seja o pacote de liberalizações finalmente acordado. Isso, somado às preocupações quanto à preservação da credibilidade da OMC, é que torna mais provável um resultado que descaracterize o fracasso, mesmo que isso requeira a apresentação do resultado com muito panglossianismo.

Mas as dificuldades são substanciais. O sinal de partida, necessariamente, deveria ser dado pelo maior protagonista – os Estados Unidos – na agricultura, foco da rodada que se presume do "desenvolvimento". Mas deu chabu: os Estados Unidos abriram o jogo com uma proposta de teto de subsídios de US$ 15 bilhões, admitindo tetos por produto, mas condicionada a uma cláusula da paz que bloquearia o questionamento dos subsídios na OMC.

A foto de Susan Schwab brandindo um gráfico que pretendia mostrar que os subsídios agrícolas dos Estados Unidos excederam o teto proposto em sete dos últimos dez anos é patética. Não apenas porque o gráfico não mostra o que argumenta a negociadora norte-americana, mas porque ilustra o primitivismo do processo negociador. Já o Brasil prefere calcular a média dos subsídios norte-americanos desde 2002, quando os preços agrícolas mundiais estavam mais altos e, com base nisso, insiste num corte para US$ 13 bilhões. Não se entende bem por que o assunto, desde o início das negociações, não foi encaminhado com base numa escala móvel de subsídios, dependendo do nível dos preços mundiais. Em vista do retrospecto de Washington quanto ao painel do algodão, seria temerário aceitar a cláusula da paz. Se a isso se somar a propalada intenção dos Estados Unidos de considerarem o etanol um produto sensível, o pacote fica desinteressante para o Brasil.

O papel da União Européia foi bem pior, com o negociador europeu entremeando as habituais práticas de intoxicação da imprensa, acusando o Brasil de estar "por trás" da crise em Doha, e com pueril encenação tentando vender um corte de 54% de tarifas como sendo de 60%, felizmente, logo desmoralizado por declarações de seus colegas europeus. O ambiente não parece auspicioso para a oferta de cotas tarifárias agrícolas, por parte da União Européia, que satisfaçam minimamente os países em desenvolvimento.

O enrijecimento do protecionismo agrícola não se limita às economias desenvolvidas. Índia, Indonésia e China têm insistido não apenas em tratamento de exceção para produtos "especiais", isto é, "sensíveis", como também em salvaguardas especiais generosas, que permitam o aumento de tarifas consolidadas no caso de surtos de importações. São grandes, também, as resistências dos países em desenvolvimento aos cortes de tarifas industriais combinados com a exclusão de produtos "sensíveis". Isso para não falar nas resistências à ênfase dos Estados Unidos em acordos seletivos de liberalização setorial para zerar tarifas industriais. Para coroar, o Mercosul, dada a lista de exceções da Tarifa Externa Comum, pretende maior flexibilidade na definição de "sensíveis".

A solução para acomodar essa multiplicidade de "sensibilidades" é, necessariamente, um equilíbrio medíocre.