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Aftosa prestes a gerar cidade fantasma

<p>Iguatemi (MS) passa pela pior crise de sua história.</p>

Redação SI (17/04/16)- A febre aftosa detectada há mais de seis meses no sul do Estado está causando um efeito devastador na região. Um dos mais importantes municípios no setor da pecuária e indústria frigorífica corre o risco de se transformar em cidade fantasma. As principais fontes de trabalho de Iguatemi foram fechadas e muitas famílias estão retornando para suas terras de origem e algumas do próprio município estão buscando empregos em outras cidades e até Estados. Os efeitos provocados pela doença são incalculáveis.

Localizado no sul de Mato Grosso do Sul, a 451 quilômetros de Campo Grande, o município de Iguatemi possuía em 2005 uma população, segundo o IBGE, de 15.194 habitantes. Mas esse número está diminuindo depois da crise provocada pela febre aftosa. Desde o surgimento dos primeiros focos na Fazenda Vezozzo, em Eldorado, local onde foram abatidas cerca de 600 cabeças de gado, há mais de seis meses a região vem enfrentando uma verdadeira decadência econômica.

Apesar de não ter sido registrado nenhum foco em sua base territorial, Iguatemi é o município mais afetado pela doença. A cidade funciona como um pólo regional, possuindo dois frigoríficos que juntos ofereciam cerca de 1.600 empregos. Seis meses depois da confirmação da doença, desse total de empregos diretos, apenas 180 permanecem ativos, além de ter gerado uma onda de desempregos no campo e causado um verdadeiro estrago no que se refere a empregos indiretos, como o comércio que está quase paralisado, além do setor de transportes e serviços.

Na cidade todos os setores reclamam e muitos ameaçam parar. A crise atinge desde o comerciante que vendia cafezinho até quem atua no ramo de autopeças para caminhões. Bares, hotéis e restaurantes, que antes mantinham uma boa movimentação, hoje estão atuando no vermelho. A expectativa é de que o Governo do Estado faça o repovoamento de gado nas fazendas dos municípios afetados como Eldorado, Mundo Novo e Japorã, para que a atividade frigorífica volte a empregar e gerar novos empregos.

Para se ter uma dimensão do problema enfrentado pelo município, basta verificar dados disponibilizados pela Secretaria de Estado de Planejamento. Em 2003, Iguatemi arrecadou de ICMS um total de R$ 5.898.786,92, sendo que deste total R$ 4.708.857,33 são oriundos do setor da pecuária. O restante arrecadado é dos setores do comércio, agricultura, indústria e serviços. Hoje a atividade pecuária está quase que paralisada. O Frigorífico Bom Charque, o principal da região, demitiu todos os seus funcionários, 1.250 pessoas. O Frigorífico Iguatemi, que empregava até 380 trabalhadores, hoje está com 180, e não conseguiu pagar os salários referentes aos meses de outubro, novembro, dezembro e o 13.

Comércio do município registra o maior prejuízo de sua história
O movimento no comércio de Iguatemi está registrando a maior quebra econômica em toda a sua história. O motivo dos prejuízos também é atribuído à aftosa. A diminuição é sentida tanto na venda de produtos de necessidades básicas como também em bares e lanchonetes.

O proprietário de uma das mais tradicionais lanchonetes do município, Luiz Carlos Campi, disse que as vendas em seu estabelecimento caíram em pelo menos 45%. “Aqui era ponto de ônibus para os trabalhadores do frigorífico, que consumiam salgados e cafezinho”.

Campi disse que o movimento era praticamente o dia todo. “Agora os produtos ficam aí no balcão e os clientes não aparecem. Acredito que para recuperar os prejuízos causados pela febre aftosa vai demorar mais de um ano”.

A direção do Hotel e Churrascaria Soledade, um dos mais antigos de Iguatemi, informou que o movimento no local despencou em 60%. Antes o local era movimentado por pessoas que chegavam de outras regiões para vender ou comprar gado e para negociar com os frigoríficos.

No centro comercial, o movimento nas lojas que trabalham com venda de roupas, calçados, eletrodomésticos e até supermercados também está bem reduzido. Poucas são as pessoas que se arriscam a comprar a prazo, já que à vista são poucas que têm essa condição atualmente. 

Agência tem cadastro de 2 mil desempregados em busca de vaga
A Agência Pública de Emprego de Iguatemi está abarrotada de fichas de trabalhadores desempregados em busca de colocação. A coordenadora da agência, Élina Aparecida Gomes Cáceres, disse ao Correio do Estado que a situação no município é bastante grave, depois que surgiram os focos de febre aftosa na região. “Hoje temos 2.000 pessoas cadastradas esperando uma oportunidade para retornar ao mercado de trabalho”.

Segundo Élina, a agência de Iguatemi também atende trabalhadores de cidades como Amambai, Tacuru, Paranhos, Sete Quedas e Eldorado, no encaminhamento dos pedidos de seguro-desemprego. Em dezembro do ano passado foram encaminhados 145 pedidos. Em janeiro deste ano foi o maior número, atingindo 487 pedidos de seguro; fevereiro foram 60 e em março 50. No mês de abril muitas pessoas já procuraram o órgão para receber orientação sobre o encaminhamento dos seus pedidos.

A coordenadora disse que, além dos desempregados dos frigoríficos, centenas de fichas são de trabalhadores oriundos de fazendas. “A Fazenda Tagros, por exemplo, está com suas atividades quase paralisadas. Os funcionários foram despedidos. Essa era uma das propriedades que sempre estavam aqui requisitando novos funcionários. A situação é bastante crítica”.

O desemprego na indústria frigorífica também piora a situação dos informais, segundo Élina. Ela disse que muitas pessoas que trabalhavam nos frigoríficos pagavam empregadas domésticas, lavadeiras e hoje não estão pagando mais nada. “Quem está desempregada está fazendo o serviço de casa e isso acaba prejudicando aquelas pessoas que trabalham na informalidade, mas que dependem de um salário no final do mês”.

Segundo a coordenadora, pelo menos uma centena de famílias que moravam e trabalhavam em Iguatemi já foi embora em virtude do desemprego. “Tem uma família que morava aqui e os seis componentes que estavam empregados foram demitidos. Bateu o desespero e todos foram embora para o Estado de Santa Catarina para tentar a sorte”.

Roseli Silveira, 25 anos, mãe de dois filhos, que trabalhava no setor de desossa do Frigorífico Bom Charque, é uma dessas pessoas desempregadas. Ela disse ao Correio do Estado que hoje está sobrevivendo apenas da ajuda que recebe do Governo, uma cesta básica. Como estava empregada havia apenas três meses, não teve direito a seguro-desemprego.

O marido de Roseli, que também está desempregado, busca colocação de serviços gerais, mas até agora só tem conseguido alguns bicos. “Do jeito que está não dá pra comprar nada. O dinheiro que ele ganha mal dá para comprar o gás e pagar a energia elétrica e a água. A esperança é a reabertura do frigorífico. As nossas crianças estão passando por necessidades”. 

Esperança
Em meio a tantos problemas, a agência de emprego tem encaminhado alguns trabalhadores para a Destilaria Centro-Oeste Ltda Docoil, que está sendo implantada a cerca de 60 quilômetros de Iguatemi. O produtor rural Nelson Donadel está contratando pessoas para trabalhar nas lavouras de cana-de-açúcar. A previsão é de empregar 700 a partir de junho deste ano

Diretor de indústria diz que errou ao confiar no Governo
Apenas um dos dois frigoríficos instalados em Iguatemi está operando depois que a febre aftosa chegou à região. Ainda assim está abatendo cerca de 15% do número de cabeças de gado que abatia antes. Se continuar neste ritmo a tendência é paralisar de vez as atividades, segundo informou um dos proprietários ao Correio do Estado. Ele criticou o ex-secretário de Estado de Produção Dagoberto Nogueira, que pediu para a empresa não demitir funcionários que repassaria ajuda pública, oriunda do Governo federal. A promessa não foi cumprida e muitos funcionários estão passando por extrema dificuldade, alguns estão até sem energia elétrica em suas casas.

Em documento encaminhado ao ex-secretário e ao governador José Orcírio Miranda dos Santos, o diretor do Frigorífico Iguatemi, Roberto Leme Praxedes, cobra o apoio que o Governo havia garantido para que não houvesse demissões em massa de trabalhadores. “Nós acreditamos no Governo e não demitimos nossos funcionários, mesmo ficando com nossos produtos estocados, o que nos causou uma série de prejuízos, mas a ajuda prometida não veio, o que acabou nos deixando numa situação muito difícil”.

No documento entregue ao Governo, o diretor explica que em virtude da paralisação do setor determinada pelo Governo, não foi possível quitar as folhas salariais de outubro, novembro, dezembro e o 13 salário. “Também deixamos de pagar fornecedores e prestadores de serviços, que juntos somam mais de R$ 1 milhão. Outros R$ 299 mil são referentes a pagamento das contas de energia elétrica”.

Praxedes disse que se o Governo não for solidário não há como continuar operando. Ressaltou que a ajuda federal prometida por Dagoberto nunca chegou aos seus funcionários. “Atuamos com o frigorífico há 18 anos e confiamos no Governo que não está cumprindo com o que prometeu. Acho que erramos quando não demitimos todos os funcionários. A confiança que depositamos foi por água abaixo”.

De acordo com o diretor, o Frigorífico Iguatemi que possui capacidade para abater até 17 mil cabeças de bovinos por mês, abateu em março deste ano apenas 4 mil e neste mês a previsão é de duas mil. Os dois principais compradores de carne da empresa, os estados de Santa Catarina que respondia por 30% do movimento, e Rio Grande do Sul 15%, fecharam as fronteiras desde o surgimento da doença. Hoje o frigorífico abastece apenas o mercado interno e exporta uma pequena porcentagem para São Paulo. 

Iagro mantém barreiras sanitárias na região
A Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal (Iagro), mantém serviços de fiscalização em toda a faixa de fronteira. Durante três dias que a reportagem do Correio do Estado esteve na região onde surgiram os focos de febre aftosa, foram encontradas três barreiras sanitárias, que fazem o controle de transporte de bovinos e borrifação de veículos para impedir a proliferação de febre aftosa na região.

Uma das barreiras está montada na BR-163 no município de Eldorado, onde os funcionários fazem a verificação de notas e borrifam os caminhões carregados com bovinos que passam pelo local. Mais de 20 caminhões carregados saem por dia da região com destino aos frigoríficos da região de Nova Andradina.

O motorista Hélio Dias Pinheiro disse ao Correio do Estado que faz até cinco viagens por dia. “Estou levando 18 cabeças de gado de Iguatemi para serem abatidas no Frigorifíco Minerva de Bataiporã, que tem capacidade para abater de 500 a 700 cabeças por dia”. Enquanto as notas estavam sendo conferidas, as rodas e a parte de baixo do caminhão eram borrifadas com iodo.

O mesmo tipo de barreira foi encontrada na região da Aldeia Porto Lindo, na estrada de chão que interliga os municípios de Iguatemi a Japorã. Outra barreira está montada para fiscalizar as cargas que seguem pela BR-163, próximo ao acesso ao município de Japorã