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Soja convencional pode ser extinta no RS

Avanço de lavouras transgênicas e falta de estrutura para segregação "sufoca" quem não quer a tecnologia.

Da Redação 12/11/2004 – O avanço da soja transgênica e a falta de uma estrutura adequada para segregação do produto estão condenando à extinção os poucos produtores gaúchos que ainda preferem o grão convencional.

Com o risco de contaminação de uma cultura pela outra, a limitada fiscalização do Ministério da Agricultura e a falta de sementes certificadas – e pressionados por vizinhos que defendem a praticidade das sementes geneticamente modificadas -, é cada vez maior o número desses produtores que estão abandonando as lavouras tradicionais. No Rio Grande do Sul, a soja transgênica deverá ocupar cerca de 90% dos 4,1 milhões de hectares destinados à cultura nesta safra 2004/05.

“Não tem jeito”, resigna-se Pedrinho Signore, agricultor de Três de Maio, no noroeste do Estado. Aos 40 anos, ele se define como “conservador” e considera a soja convencional “mais valorizada”, mas admite que há pressão de todos os lados a favor dos transgênicos. Por conta disto, passou a dividir suas terras entre lavouras convencionais e transgênicas. “Estamos no meio da fogueira. Há uma ansiedade muito grande e vamos acabar perdendo cultivares tradicionais”, afirma.

Signore é um dos produtores associados ao único programa de certificação de soja convencional do Estado, desenvolvido pela cooperativa Cotrimaio desde 2001. Ele recebe 4% a mais pelo produto não transgênico (R$ 30,16 o saco de 60 quilos, ante R$ 29 para o modificado, conforme a cotação desta semana), mas nesta safra já deve plantar até 7 de seus 20 hectares com sementes transgênicas. Na primeira experiência, na safra passada, foram três hectares com o grão modificado. “Por curiosidade”, diz.

O produtor mantém as duas lavouras separadas por uma distância de 150 metros, mas admite que no futuro deverá se dedicar exclusivamente à transgênica, devido também às dificuldades para fazer a segregação. Sem recursos para comprar uma colheitadeira, ele aluga os serviços de um equipamento que trabalha, em média, em dez propriedades por safra e a qualquer momento pode misturar grãos convencionais com transgênicos. O mesmo problema ocorre com as plantadeiras e com os caminhões que transportam a colheita até a cooperativa, onde todo o produto que chega passa por testes.

“Esta situação deixou encurralado quem não planta a semente transgênica”, comenta Signore. Ele afirma que a lavoura modificada é mais barata e mais prática, porque exige apenas uma aplicação de herbicida, mas não se arrisca a fazer um cálculo preciso da diferença de custos. Ainda mais com a previsão de aumento do valor dos royalties pagos à multi americana Monsanto – que desenvolveu as sementes transgênicas plantadas no Rio Grande do Sul – que devem passar de R$ 0,60 por saca em 2003/04 para R$ 1,20 em 2004/05.

O peso dos royalties é a esperança do presidente da Cotrimaio, Antônio Wünsch, de que a soja convencional volte a ganhar fôlego nos próximos anos. A cooperativa investiu R$ 1,5 milhão em equipamentos e sistemas para garantir a certificação de seu processo de segregação pela francesa Ecocert, mas nos últimos anos vem assistindo a uma progressiva queda no recebimento do grão não transgênico.

Dos 4 mil produtores vinculados ao projeto de certificação na safra passada, neste ano devem restar 2 mil, prevê Wünsch. A produção do grão convencional, que chegou a 1,7 milhão de sacas em 2002/03, caiu para 800 mil em 2003/04, o equivalente a um terço de toda a soja recebida no período. Agora, se chegar a 400 mil, “estará ótimo”, comenta o dirigente. “O produtor gosta da semente transgênica porque é mais fácil de trabalhar, mas se o preço da soja permanecer em baixa e os royalties forem a R$ 1,20, haverá um refluxo”, aposta.

A idéia original da Cotrimaio era receber apenas soja convencional dos seus 9 mil associados, mas o avanço das lavouras transgênicas fez Wünsch revisar sua posição. Embora pague um prêmio de 4% pelo produto tradicional, o dirigente afirma que a meta, nas negociações com as indústrias que compram o produto, é elevar o índice para 10%. Ele considera que mesmo o patamar atual, incluindo os royalties cobrados hoje, é “atrativo”, mas admite que pelo menos até agora a soja transgênica “tomou conta”, segundo seus cálculos, de 85% das lavouras gaúchas.

Para o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado (Fetag-RS), Ezídio Pinheiro, as sementes transgênicas já cobrem 95% da área dedicada à soja no Estado, mas, mesmo assim, este não é necessariamente um movimento sem volta. “Se a terra tiver erva daninha é vantagem plantar transgênico, porque se usa menos herbicida e mão-de-obra e diminui a contaminação do solo; mas, se a lavoura estiver limpa, a situação pode ser outra”.

O quadro também não é irreversível, para Pinheiro, porque não há diferença de produtividade entre sementes convencionais e transgênicas. Ele acredita que a soja modificada só será definitiva quando apresentar resistência não apenas a um determinado herbicida, como hoje, mas também a problemas como seca e ferrugem. “Aí ela virá para ficar”.