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Agrônomo argentino pede "Opep da soja"

Considerado o "rei" da oleaginosa em seu país, empresário investe em biotecnologia e mira o Brasil.

Da Redãção 16/12/2003 – 04h50 – O engenheiro agrônomo Gustavo Grobocopatel não gosta de ser chamado de “rei da soja” da Argentina, por considerar essa qualificação antiquada e distante do estilo de vida simples que diz levar. Aos 41 anos, ele comanda uma das principais holdings agropecuárias do país, com 70 mil hectares na Argentina e outros 12 mil no Uruguai, a maior parte com soja. E seu faturamento anual, que era da ordem de US$ 70 milhões no fim dos anos 90, deve alcançar a marca de US$ 100 milhões no ano fiscal que se encerra em março de 2004.

Mas, mesmo rejeitando o título grandiloqüente, as ambições de Grobocopatel parecem ser maiores do que seu discurso e do que os atuais números de seus negócios. No texto de apresentação do grupo Los Grobo na internet, por exemplo, a missão do conglomerado é descrita sem humildade: “Ser a companhia líder mundial em produtos, serviços e informação agroalimentares orientada ao desenvolvimento e bem-estar das pessoas e seu entorno”. Nada mal para a antiga empresa fundada por imigrantes ucranianos que desembarcaram na Argentina no início do século.

O empresário, que nas horas vagas empresta sua voz a um grupo de música regional, também tem idéias nada tímidas para aproveitar o crescimento do Mercosul como produtor de alimentos, em especial a soja. O rei que dispensa a coroa propõe que o empresariado do bloco use o fato de Brasil, Argentina e Paraguai terem superado a produção da oleaginosa dos EUA para criar uma espécie de “Opep da soja”.

“Em um mundo protecionista, é muito difícil negociar se você não for forte em alguma coisa. No caso do Mercosul, são os alimentos, mas particularmente a soja, que é a base de 95% de toda farinha protéica do mundo”, disse Grobocopatel em entrevista exclusiva ao Valor. “Já falei muitas vezes do assunto com o Roberto Rodrigues [ministro da Agricultura do Brasil]”, afirmou.

O empresário acredita que, por uma questão “tática”, a iniciativa teria de contar com a participação dos próprios EUA. “Hoje quem faz o mercado e quem comercializa os produtos não são os países, são as empresas globais, transnacionais. E a maioria dessas empresas é americana”. Como benefício adicional, diz, a “Opep da soja” serviria como um exercício para a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e como uma medida prática para fortalecer o Mercosul.

O engenheiro, que não tem negócios no Brasil mas afirma que gostaria de expandir suas atividades ao país, defende uma maior integração dos empresários do agronegócio da região como forma de consolidar o Mercosul e superar diferenças. “A partir daí podemos encontrar sentido para o trabalho em bloco, que deixará de ser algo apenas político e passará a ter importância para pessoas e empresas, algo que dê valor e riqueza para quem vive aqui”, filosofa.

Ainda que pelo menos até agora a “Opep da soja” não tenha encontrado eco nos países vizinhos, o projeto de Grobocopatel colabora para fortalecer sua liderança na Argentina, que tem no campo talvez a principal mola para sua recuperação econômica. O país deverá colher pelo menos 36 milhões de toneladas de soja nesta safra 2003/04, ante 35,3 milhões em 2002/03, e o chamado “complexo soja” – que inclui grão, farelo e óleo – é responsável, hoje, por quase um quarto das exportações argentinas. Além disso, os embarques do complexo são vitais para a arrecadação platina, uma vez que 23,5% do valor obtido com a comercialização é retido pelo governo na forma de imposto.

Tal carga tributária está entre as principais preocupações dos produtores argentinos, que pedem o fim da cobrança do imposto sobre a exportação de soja e outros grãos. De um modo geral, os agricultores afirmam que vêm conseguindo crescer “apesar do governo”. Grobocopatel, um dos líderes do movimento, faz coro. E aproveita para cobrar das autoridades medidas que confiram à atividade maior previsibilidade e segurança.

“Se eu estou na Europa, ganho ? 30 mil por mês como responsável pelo abastecimento de farinha de soja de uma empresa alimentar de primeira linha na Europa e tenho de fazer um programa de abastecimento daqui até julho do ano que vem, onde vou comprar?”, pergunta Enrique Erize, da consultora agropecuária Nóvitas. “Será que o Brasil, em 15 de abril, estará com um ritmo de embarque normal ou haverá a greve típica dos trabalhadores portuários?”, questiona. “Nos EUA, eu sei que carrego no dia 15 e no dia 20 está chegando”. Erize lembra como outro fator de incerteza a proibição imposta pelo governo do Paraná – contestada no Supremo Tribunal Federal (STF) na semana passada – ao embarque de soja transgênica no porto de Paranaguá (PR). Do lado argentino, o analista cita como problema os bloqueios de estradas, que se intensificaram devido à ação de grupos de desempregados. Além disso, há o risco, ainda que remoto, de que credores da dívida externa argentina em default consigam embargar parte dos pagamentos de exportações.

Para continuar crescendo apesar das incertezas, além de investir em sua própria empresa – instalada em uma fazenda da localidade de Carlos Casares, a três horas e meia de Buenos Aires -, Grobocopatel criou com outros 60 produtores uma companhia de biotecnologia. A Bioceres vem desenvolvendo sementes geneticamente modificadas para resistir a doenças e à seca. Ele acredita que a adoção dos transgênicos em seu país é irreversível e que a generalização dos cultivos geneticamente modificados, inclusive no Brasil, é uma questão de tempo. Resta saber se a palavra do “rei” vai virar lei.