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Soja no MT

Corrida por preço move plantio no Estado. Produtores ampliam aposta em soja precoce no início da safra.

Soja no MT

“Soja bom é o soja do cedo. Não viça”. Domingos Munaretto solta a frase com a construção peculiar: o parnasiano “viçar” toma as vezes do ordinário “crescer”, “do cedo” faz as vezes do verborrágico “dos plantios realizados logo no início da safra” e “a soja” torna-se “o soja”, uma indubitável oleaginosa macho. A sentença contraria muito do que se diz sobre essa soja prematura, mas, dita por Munaretto, soa como verdade absoluta, tão de domínio público quanto “dinheiro de trouxa é farra de sabido”.

Segundo o mantra dos técnicos agrícolas, o plantio da soja mais precoce tem lá seus riscos – por ocorrer com baixa umidade de solo, por estar mais propenso a perdas, por ter produtividade média menor que as de variedades de ciclo mais dilatado. Sob um quadro em que, mesmo com as ressalvas, o soja do cedo ganhou apelo adicional, foi dada a largada da safra 2009/10 de soja no Brasil.

A cotação da oleaginosa atualmente volteia os US$ 9 por bushel (medida que equivale a 27,2 quilos) na bolsa de Chicago, referência internacional para a formação de preços agrícolas. A cotação zumbiza em torno desses US$ 9 por bushel, mas está doidinha para testar um chão mais baixo.

No momento, principalmente por conta da influência dos Estados Unidos. A safra 2009/10 americana tende a ser recorde, mesmo de acordo com os prognósticos mais pessimistas. Em sua fase de desenvolvimento, as lavouras dos EUA estiveram sempre sob um clima considerado ideal para as plantas. Na semana passada e também ontem, os preços até recrudesceram, ouriçados com uma previsão de geada na antessala da colheita. A geada não chegou, a previsão de safra rechonchuda está mantida.

E o soja do cedo do seu Domingos Munaretto com isso? Ocorre que, no mercado interno, que vive sua entressafra, os estoques das indústrias estão mais reduzidos que o que o de hábito para esta época do ano. Muitas das paradas técnicas das esmagadoras, realizadas, de forma escalonada, entre setembro e janeiro, ocorreram em junho e julho. Se já falta soja no mercado interno, e se a perspectiva é de queda de preço no mercado internacional, quem colher antes venderá para as indústrias nacionais quando estas estiverem contando nos dedos os grãos de seus estoques, certo? Foi o raciocínio de muitos produtores em Mato Grosso.

“Vai pegar preço bom quem tiver soja antes”, diz Munaretto, produtor em Lucas do Rio Verde. “O soja do cedo tem produtividade menor, mas sofre menos ataques de doenças fúngicas”. O fato de a planta “não viçar” também é uma vantagem comparativa, segundo ele: em vez de pés de soja espigados, mas com poucos grãos, vêm pés atarracados, mas carregados.

Habitualmente, o que se planta de soja precoce (com ciclo que se encerra em até 100 dias) em Mato Grosso é de 20% da área total de cultivo no Estado. Esses 20% correspondem ao terreno que depois será o da safrinha. É um adicional a esses 20% que alguns produtores têm buscado. Há quem diga que, neste ano, pode chegar a 35%, mas a projeção não é das mais precisas.

Ok, todo ano os estoques das esmagadoras caem na entressafra, todo ano o preço da soja no mercado interno é atrativo no início da colheita. Os fatores para uma silente corrida para tentar colher antes que o vizinho, contudo, são vários e agem de forma encadeada.

Além da esperada produção recorde nos EUA, a Argentina ressurgirá no mercado. Na temporada 2008/09, as lavouras do País foram castigadas pela maior seca em pelo menos 50 anos. Isso fez com que o Brasil tivesse que aumentar suas exportações de soja no primeiro semestre deste ano, fator que explica a antecipação das paradas das esmagadoras nacionais.

E a soja argentina ressurgirá com os dois pés na porta. Até quatro anos atrás, as lavouras de milho ocupavam 4 milhões de hectares no País. Para o ciclo 2009/10, a previsão era de que a área seria de metade disso, mas a projeção já está na casa de 1,8 milhão de hectares. “O trauma com a seca ainda é muito recente. Eles vão deixar de produzir milho para plantar soja porque as perdas no milho foram piores. O risco de perda com a seca na soja é menor”, afirma Fabio Meneghin, analista da Agroconsult.

Também o Brasil tem perspectiva de safra recorde. Há quem aposte em colheita superior a 65 milhões de toneladas, e até o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), usualmente comedido em suas projeções iniciais, falou neste mês em produção brasileira de 62 milhões de toneladas – em 2008/09, foram 57 milhões.

A China, grande termômetro das importações globais da oleaginosa, mantém seu ritmo de consumo, mas, se reduzir as encomendas, acentuará o tom cadente dos preços – e dará razão a quem corre pelo soja do cedo. Em 2008/09, seu consumo foi de 51,3 milhões de toneladas, 39,8 milhões das quais de grão importado, segundo dados do USDA. Para a temporada 2009/10, o consumo crescerá para 53,7 milhões de toneladas. No entanto, os chineses podem até reduzir para 38,5 milhões de toneladas suas compras no exterior que, ainda assim, seus estoques finais cairão menos de 1 milhão de toneladas, para 7,6 milhões. Nem a China parece oferecer alento no atual estágio dos acontecimentos.

O plantio de soja em Mato Grosso começou no último dia 15, quando terminou o chamado vazio sanitário. Em uma janela de 90 dias, o cultivo do grão é proibido como forma de estancar a maléfica ferrugem asiática, doença que já causou perdas superior a US$ 12 bilhões no Brasil desde o início da década. Um raridade climática estimulou uma certa “queimada da largada” na corrida para o plantio.

Choveu em grandes áreas de produção Mato Grosso entre o fim de agosto e os primeiros dias de setembro. Essa chuva é usualmente aguardada para o terço final de setembro, quando o plantio efetivamente começa. Há quem atire a semente ao solo no dia 14 ou mesmo no dia 13, sob o argumento de que o proibido é a presença da planta no solo, e não a semeadura. É uma estratégia que, a depender do tempo que a semente levará para brotar, deixa aquela planta a uma distância de poucas horas da ilegalidade.

Se Estados Unidos, Brasil e Argentina, os três maiores produtores mundiais de soja, estão com perspectiva de produção elevada, ponto para a queda de preços. E se a China, maior importadora, vive tendência de consumir mais, mas de comprar menos, dois a zero para a queda de preços.

Nos fundamentos de oferta e demanda, uma alteração do quadro climático é que mudaria um pouco esse cenário. Por ora, de acordo com a meteorologia, não há perspectiva disso. O ano é de El Niño, fenômeno de aquecimento das águas do Oceano Pacífico que leva chuvas para o Sul e temperaturas acima da média para o centro do País. Um veranico, se ocorrer, deverá afetar justamente o soja do cedo – que, ainda que estimulado neste ano, não representa a maioria das áreas de plantio.

Se nos fundamentos os preços afundam, o que poderia levá-los para cima é a especulação financeira. Também não parece ser o caso no momento, diz o analista Fabio Meneghin, da Agroconsult. “A liquidez [no mercado de soja] ainda não está nos níveis pré-crise. Os fundos vão escolher melhor seus investimentos”, afirma.

Em 2008, antes de a crise financeira explodir de vez, as commodities agrícolas em geral, e a soja em particular, atingiram seus maiores preços históricos. O fenômeno, convencionou-se dizer, ocorreu muito por conta da ação dos fundos especulativos. Os fundos liquidaram suas posições quando o mundo soou a trombeta do armagedon. Como se sabe, o mundo não acabou, e os fundos, ainda que em nível bem inferior ao de 2008, mantiveram-se nas transações de commodities.

“Nós pregamos que o produtor adote as melhores práticas agronômicas, mas também não vamos desestimular esse plantio [nos primeiros dias pós-vazio sanitário]”, diz Carlos Fávaro, diretor da Associação dos Produtores de Soja do Estado de Mato Grosso (Aprosoja). “Até porque tem gente que tem experiência nisso e consegue bons resultados”. Fávaro tem sua base de atuação em Lucas do Rio Verde, justamente o município que, com Sapezal, realizou as primeiras semeaduras da atual temporada.

Os produtores preocupam-se com o ritmo ainda lento das vendas antecipadas de soja. Até 18 de setembro, apenas 14% da safra nova havia sido comercializada, diz a consultoria Céleres, número menor que a média dos últimos cinco anos, de 17%, apurada neste mesmo estágio da safra. Se as evidências de desvalorização da soja se confirmarem nos próximos meses, a lógica diz que, quanto mais tempo a comercialização demorar, menos o produtor embolsará.

Tudo isso sob perspectiva de margem mais apertada. Em um cenário hipotético (dólar a R$ 1,80 e soja a US$ 9,2 por bushel, preço de ontem), a margem seria de R$ 230 por hectare em Mato Grosso, calcula a Agroconsult – em 2008/09, a média foi de R$ 612. Entende-se a busca pela renda extra com as precoces, ainda que a pressa tenha eficácia bastante limitada. Foi dada a largada da nova safra do soja, uma indubitável oleaginosa macho.