Redação (23/02/06) – Conhecida como a “capital do ovo” por ser o maior e mais antigo pólo de produção do país, Bastos, no interior paulista, pode ser considerada uma “ilha” japonesa no Brasil. A cidade foi fundada em 1928 por colonos que desembarcaram em Santos 20 anos antes, em um período em que o Japão estimulava a emigração com o objetivo de formar uma rede transoceânica de cooperativas agrícolas.
Depois de prospectar diversas regiões, o grupo decidiu comprar a Fazenda Bastos – daí, obviamente, o nome da cidade – tendo em vista a produção de café, o “fruto de ouro” na época. A idéia era simples: enriquecer e voltar à terra natal. Alguns enriqueceram, poucos voltaram. Entre 1956 e 1959, a cidade teve o primeiro prefeito nissei do país, Tadao Hatanaka. Hoje, descendentes de japoneses representam metade da população do município, pouco superior a 20 mil habitantes; na outra metade, prevalecem os mestiços.
Bastos já foi pólo produtor de café e de algodão. Hoje, segundo a Associação Comercial e Industrial do município, 74% de sua economia giram em torno do comércio de ovos, principal locomotiva local desde a década de 1950. A cidade responde por 15% do plantel nacional de aves de postura, conta com 15 milhões de aves e produz mais de 8,6 milhões de ovos por dia. Gigante em um segmento marcado pela fragmentação, Bastos reflete quase que instantaneamente as oscilações de preços nesse mercado. E esses preços, apesar da alta sazonal das últimas semanas, estão em um patamar baixo.
Nos últimos 12 meses, a queda chega a 23%, o que gerou uma redução de magnitude semelhante na receita da cidade, que tem um Produto Interno Bruto (PIB) estimado em R$ 589 milhões pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade). O tombo dos preços se deve ao excesso de oferta causado pelo aumento do plantel de postura o ano passado, em grande parte em Bastos mesmo. Yasuhiko Yamanaka, diretor administrativo do Sindicato Rural do município, lembra que a forte alta nos preços em 2004 levou as granjas locais a aumentar o plantel, que passou de 12,1 milhões para 15 milhões em 2005. O efeito foi um aumento proporcional da produção. “O Brasil aumentou o alojamento de pintinhos de 5 milhões para 6 milhões por mês. E hoje a produção de ovos está no pico”, afirma ele.
Lauro Morishita, proprietário da granja Incorbal, foi um dos que aumentaram seu plantel em 2005. O incremento foi de 10%, para 600 mil aves. Hoje ele tem uma produção média de 1,4 mil caixas de ovos por dia, vendidas em São Paulo, Minas Gerais e regiões do Nordeste, mas não pretende aumentar o número de aves em 2006. “Este ano tende a ser pior do que 2005 porque a oferta de ovos no mercado está excessiva e o consumo está estagnado”, analisa.
O produtor já havia feito mudanças em seu sistema de produção nos últimos anos para reduzir custos. Uma das alterações foi a construção de casas no próprio terreno que abriga a granja, onde os funcionários passaram a residir. “Muitos deles vinham de cidades vizinhas. Com isso, reduzi o custo com transporte”, diz.
Morishita também começou a produzir a ração para reduzir os gastos com matéria-prima – uma conduta comum entre os granjeiros de Bastos. Por dia, o plantel da Incorbal consome 60 toneladas de ração. Mas tais mudanças, conforme ele, não têm sido suficientes para evitar perdas a cada queda vertiginosa nas cotações do ovo.
Francisco Mitsuo Oura, da Cooperativa Avícola de Bastos (CAB), acrescenta que outro fator de pressão no setor tem sido a venda de ovos galados (fertilizados) pelos incubatórios. As granjas de postura têm reduzido o alojamento de pintos devido aos preços baixos da carne de frango e descartado estoques no mercado de consumo de ovos.
Segundo Oura, enquanto uma caixa de ovos normal custa R$ 30,70, a caixa do ovo galado sai por R$ 7. “Os ovos galados são muito mais baratos e derrubam os preços. Hoje, os produtores de Bastos estão tendo prejuízo”, diz. Ele observa que o custo médio de produção no município é de R$ 32 por caixa de 30 dúzias. E afirma, ainda, que a situação só não é pior graças às baixas cotações do milho e da soja – matérias-primas para produção de ração – no mercado.
De acordo com Oura, a CAB já funcionou com 22 cooperados ativos, mas atualmente o número caiu para 13. Além da classificação e venda dos ovos produzidos pelas granjas associadas, a cooperativa compra matérias-primas, produz e distribui ração aos cooperados.
Segundo o Sindicato Rural, um dos efeitos da crise de preços foi o fechamento de granjas pequenas e seu arrendamento por empresas de maiores. De 2005 para cá, o número de granjas em Bastos caiu de 180 para 85. É verdade que o total havia aumentado por conta da boa fase anterior, mas fontes do setor afirmam que, entre as unidades que foram fechadas e arrendadas por outras granjas, há donas de marcas tradicionais nos grandes centros.
Natalino Chagas, prefeito de Bastos (PDT), diz que os efeitos do mercado desfavorável podem ser observados em toda a economia do município. “O comércio está mais parado e a arrecadação de impostos, como IPVA e IPTU caiu”. Chagas afirma que o orçamento do o município deve crescer de R$ 17,5 milhões, em 2005, para R$ 20 milhões em 2006, mas ainda graças ao aumento de arrecadação proporcionado pelo inchaço do ano passado.
Dario Morishigue, presidente da Associação Comercial e Industrial de Bastos, também aponta que o nível de inadimplência no município em janeiro deste ano cresceu 11% em relação ao mesmo mês de 2005, já como conseqüência da fase ruim no setor de ovos. Segundo ele, a situação não é pior porque as indústrias instaladas no município vivem um bom momento. A Panco, que emprega 150 pessoas em Bastos, acaba de investir em suas instalações para iniciar a produção de uma linha de pratos prontos. A Fiação de Seda Bratac, que emprega 930 pessoas, também espera elevar sua oferta.
Carlos Ikeda, proprietário da Granja Ikeda, acredita que a curva cadente dos preços dos ovos tende a se reverter com a proximidade da quaresma (que começa na quarta-feira de cinzas) e o fim do verão. Nesse período, o consumo de ovos tradicionalmente cresce e as cotações se recuperam. “A expectativa é de que haja melhora nos preços, mas eles não tendem a subir tanto por causa do excesso de aves em produção”.
Mas, para muitos que atuavam no segmento granjeiro, a saída tem sido seguir o caminho inverso ao dos fundadores da cidade. Conforme a associação comercial, 8 mil habitantes de Bastos em algum momento já trabalharam como dekasseguis no Japão. Nos últimos 12 meses, o número de migrantes bateu recorde e hoje 1,2 mil bastenses estão no berço de seus antepassados. Para tentar enriquecer e voltar à terra natal.