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Governo foi alertado há um ano sobre risco com carne

Documentos mostram que UE avisou que suspenderia importações.

Redação (18/02/2008)- Apesar de o ministro Reinhold Stephanes ter dito semana passada que a atuação das certificadoras de carne para exportação é "um escândalo", o governo brasileiro vinha sendo alertado, há um ano, que a União Européia poderia suspender as importações – o que aconteceu este mês – e não agiu.

Documentos a que o jornal O Globo teve acesso mostram que a UE e a missão do Brasil junto às comunidades européias avisaram ao governo que exigências do bloco não estavam sendo cumpridas.

Alertas ignorados: Desde abril de 2007, governo recebeu avisos de que UE poderia suspender importações de carne

Há quase um ano o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, e o secretário de Defesa Agropecuária, Inácio Kroetz, receberam os primeiros alertas sobre a possibilidade de a União Européia (UE) suspender as importações de carne brasileira, e pouco fizeram para impedir que a ameaça se consumasse.

Documentos obtidos pelo Globo junto à Secretaria de Defesa Agropecuária e ao Itamaraty mostram que a primeira advertência foi feita pela diretora-geral adjunta de Saúde e Defesa do Consumidor da UE, Paola Testori Coggi, no dia 27 de abril. Neste documento, a UE estabelece um prazo até o fim de 2007 para que as autoridades brasileiras cumprissem as recomendações feitas pelas oito missões da Food and Veterinary Office (FVO, responsável pelo controle sanitário na UE) ao longo de 2006, especialmente em relação à rastreabilidade do gado brasileiro – acompanhamento e registro dos eventos ocorridos desde o nascimento ou identificação até o abate ou morte do animal. As importações de carne bovina in natura do Brasil foram suspensas pela UE no dia 1ode fevereiro, por tempo indeterminado. Segundo o governo, o prejuízo com o embargo é de US$ 5 milhões por dia.

No dia 1ode outubro de 2007, em fax encaminhado diretamente ao ministro Stephanes, a embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues, chefe da missão do Brasil junto às comunidades européias, reiterou o alerta da Diretoria Geral de Saúde e Defesa do Consumidor (DG-Sanco) da UE.

"Não posso deixar de reiterar que considero o quadro extremamente grave. O não atendimento das recomendações do FVO põe em risco a manutenção do acesso da carne bovina brasileira ao mercado comunitário", alertou a embaixadora numa carta de duas páginas.

"Lembro que o lado europeu ressaltou que os pontos cobrados pelo FVO já foram acordados anteriormente com o Ministério da Agricultura em diversas ocasiões. Assim, a missão do FVO não terá alternativa senão interromper as importações de carne bovina do Brasil casos os aspectos ”cruciais” não tiverem sido atendidos".

Técnicos também advertiram para risco: Entre os principais problemas identificados pelo FVO, a embaixadora citou: a legislação relativa à definição de foco de aftosa, deficiências na identificação e controle de movimento de gado, ineficiência no programa para verificar a vacinação contra aftosa e atrasos nos testes laboratoriais e no controle da emissão de certificados sanitários.

Esses alertas teriam sido reiterados ainda em documentos produzidos por técnicos do Ministério da Agricultura.

No dia 19 de dezembro de 2007, em nova correspondência encaminhada ao secretário de Defesa Agropecuária, o diretor-geral de Saúde e Defesa do Consumidor da UE, Robert Madelin, comunicou que, diante da falta de providências das autoridades brasileiras em atender as recomendações da FVO, a comunidade européia estaria disposta a restringir a lista de fazendas brasileiras credenciadas para a exportação de carne a 3% das cerca de 10 mil existentes no país.

Na mesma semana em que o governo brasileiro tentou incluir 2.861 propriedades brasileiras na lista de credenciadas para a exportação de carne para a UE, Madelin, em nova correspondência enviada a Inácio Kroetz, deixou clara sua desconfiança da capacidade do Ministério da Agricultura de ter mantido um rigoroso controle sanitário sobre essas fazendas em tão pouco tempo.

O secretário de Defesa Agropecuária esteve na semana passada em Bruxelas na expectativa de apresentar uma nova lista de propriedades para serem credenciadas para a exportação para UE. A iniciativa, porém, não teve o aval da embaixadora Maria Celina, que se recusou a acompanhar Kroetz sob o argumento de que o Ministério da Agricultura teria perdido sua credibilidade junto às autoridades européias ao ignorar as inúmeras advertências feitas. Desagradou também aos produtores rurais.

Para o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), faltou ao ministro Stephanes "coragem" para reagir e tentar reduzir as exigências da UE após as primeiras ameaças de boicote: – Não se pode usar artifícios sanitários para fazer política protecionista.

As exigências feitas pela União Européia são inaceitáveis e em nada contribuem para o aumento do controle sanitário da carne brasileira.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec), Marcus Vinicius Pratini de Moraes, também considera que o Brasil tinha que ter contestado na Organização Mundial do Comércio (OMC) o excesso de exigências, quando começaram a ser apresentadas. "Exportamos carne há 60 anos e nunca houve nenhum problema", disse Pratini, lembrando que a UE taxa a carne brasileira em 176%, além de impor barreiras não-tarifárias.

Mesmo tendo sido avisado com tanta antecedência, Stephanes disse, durante audiência pública na Comissão de Agricultura do Senado no último dia 13, que a atuação de certificadoras brasileiras é "um escândalo", devido às falhas na certificação de produtos exportados para o bloco.

Procurada pelo Globo desde sábado, a assessoria de Stephanes não retornou as ligações.

Oriente médio na mira de produtores: A Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec) quer superar a marca dos US$ 422 milhões do produto in natura (fresca congelada) vendida no ano passado para o Oriente Médio. O presidente da Abiec, Marcus Vinicius Pratini de Moraes, viaja na próxima quinta-feira para a região para tentar ampliar os negócios do setor no momento em que as exportações brasileiras de carnes para a União Européia estão embargadas e devem cair significativamente depois de liberadas. Depois do Oriente Médio, ele pretende se concentrar no mercado chinês, em junho, aproveitando os eventos em torno das Olimpíadas de Pequim. Marrocos e Indonésia, que já demonstraram grande potencial, também serão explorados.

Embora o consumo interno esteja crescendo – o país consome 74% da carne que produz – isso não será suficiente para repor as perdas com a redução das exportação para os europeus, principalmente de carnes nobres. "Os mercados de países desenvolvidos estão cada vez mais difíceis porque eles têm barreiras tarifárias e não-tarifárias", disse Pratini de Moraes.

Somente para os Emirados Árabes, um dos países que o ex-ministro da Agricultura visitará, foram exportadas no ano passado US$ 34 milhões em carne in natura, o equivalente a 17 mil toneladas. Ele prefere não fazer projeções de quanto o comércio com os países que vai visitar poderá aumentar, mas está otimista: – Nunca imaginei que fôssemos vender este volume quando começamos a exportar carne para o Oriente Médio – afirmou, lembrando que isso foi em 2002, quando foram vendidos apenas US$ 6 milhões.

O prejuízo do boicote da União Européia, segundo estimativas do presidente da associação, poderá chegar a R$ 90 milhões por mês, o que poderia resultar na demissão de cinco a seis mil trabalhadores nos frigoríficos. No total, entre empregos diretos e indiretos, 18 mil pessoas poderiam ser atingidas pela crise.