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Expansão agrícola modifica economia de países vizinhos

A expansão agrícola impulsionada pelos produtores brasileiros a partir da década de 70 modificou profundamente não apenas a economia, mas os costumes e até a geografia de países vizinhos.

Redação (13/03/2008)- Os brasileiros dominam a produção de soja no Paraguai e na Bolívia, são destaque na produção de arroz no Uruguai, estão presentes em regiões da Argentina e, mais recentemente, têm chegado inclusive à Venezuela.

Em cidades como San Alberto, no Paraguai, o português se mistura ao espanhol nas ruas. O prefeito, Romildo Maia, nasceu no Paraná e chegou ao Paraguai aos cinco anos de idade, em 1970.

"Fomos a quarta família a chegar aqui em San Alberto. Hoje município tem em torno de 22 mil habitantes."

As lavouras de soja dominam a paisagem de San Alberto e revelam a importância dessa cultura, que até a chegada dos brasileiros era desconhecida e hoje ocupa uma área de mais de 2 milhões de hectares e é uma das principais atividades econômicas do Paraguai.

As plantações também são um exemplo das técnicas trazidas pelos brasileiros, como o plantio direto, e de um modelo de produção empresarial que revolucionou a agricultura paraguaia.

"A soja era um produto desconhecido no Paraguai até os anos 70", diz o analista econômico paraguaio Fernando Masi. "Atrás da soja, veio todo o complexo de grãos, porque se implementou o plantio direto, e com o plantio direto a rotação de culturas."

Chegada

Os brasileiros começaram a se instalar no lado paraguaio do rio Paraná no início da década de 70, empurrados pelo alto preço das terras no Brasil. Na época, começava a construção da usina de Itaipu, projeto conjunto entre os dois países. Havia também o apoio do governo paraguaio – então comandado pelo general Alfredo Stroessner – à vinda dos brasileiros.

"O forte da imigração foi de 1975 em frente, quando Itaipu começou a pagar. Lá (no Brasil) eram todos pequenos agricultores, 50 hectares de terra comprava 200 aqui e ainda sobrava dinheiro pra viver dois ou três anos. A maioria era desapropriado lá com 20 hectares, 30 hectares, 40 hectares", diz um dos pioneiros desse movimento, o gaúcho Willy Ludeke.

Em 1973, Ludeke fez um sobrevôo de uma área despovoada, de mata, no departamento de Alto Paraná. Com a experiência de quem já havia trocado o Rio Grande do Sul pelo Paraná e conhecia muitas regiões agrícolas no Brasil, ele percebeu que aquela terra encoberta pelas árvores era especial, "com uma topografia favorável, muito rica de água".

Um ano depois, Ludeke e um grupo de cerca de 50 agricultores brasileiros chegavam ao local para desbravar uma área de 14 mil hectares. Nascia, assim, a cidade de Naranjal, que ele fundou e orgulhosamente chama de "o exemplo da imigração que deu certo".

"Não tinha estrada, não tinha nada. Levamos quase um ano pra chegar aqui", diz.

"Motor da economia"

Hoje Naranjal, assim como San Alberto e Naranjito (fundada pelo mesmo Ludeke quatro anos mais tarde), integra uma rede de cidades nascidas da imigração brasileira, principalmente nos departamentos de Alto Paraná e Canindeyú.

"Há dois motores da economia paraguaia. Um é Assunção e o departamento central. E o outro é todo o leste, de Canindeyú, Alto Paraná a Itapúa. (…) São as regiões motoras da economia, onde há maior produção e menos pobreza", diz o economista Fernando Masi.

Não há dado oficial sobre o número exato de brasileiros no Paraguai – os chamados "brasiguaios", termo rejeitado por alguns deles, como Ludeke, que considera a palavra pejorativa. Os cálculos variam de 150 mil a 500 mil.

Além de modificar a economia do país, eles também mudaram a geografia.

Modelo urbano

"O impacto maior, para mim, é o novo modelo urbano que têm as cidades surgidas da imigração brasileira. É muito gráfico. Há um sistema de cidades chamado à paraguaia e outro à brasileira. Os brasileiros repetem a configuração das pequenas cidades do Brasil", diz o pesquisador paraguaio Fabrício Vázquez, doutor em geografia e autor de estudos sobre o impacto da presença brasileira.

Enquanto no Paraguai os produtores brasileiros construíram cidades, na Bolívia a maioria mora na zona urbana de Santa Cruz de la Sierra e tem fazendas na região, onde a soja também foi introduzida pelos agricultores do Brasil e se transformou em um do principais produtos da economia boliviana.

"Se lá no Paraguai eles construíram cidades, aqui nós construímos estradas, construímos pontes, construímos armazéns de grãos, trouxemos tecnologia, impulsionamos a soja na Bolívia", diz o paranaense Nilson Medina, que foi para Santa Cruz de la Sierra no início dos anos 90 e hoje é um dos maiores produtores de soja da Bolívia.

"Quando nós chegamos a área de soja na Bolívia era de 250 mil, 300 mil hectares. Hoje está em torno de 1 milhão de hectares", diz Medina

Críticas

Apesar do reconhecimento de sua contribuição para a economia, a presença brasileira também é alvo de críticas. No Paraguai, alguns críticos reclamam que os brasileiros não se integram à sociedade. Outros afirmam que a produção de soja causou impactos negativos ao meio ambiente.

"(As críticas aos) brasiguaios em grande medida (ocorrem) porque neste momento há tensões sociais no campo. Tensões sociais que não têm a ver, digamos, exclusivamente com a presença brasileira. É o sistema de produção, o agribusiness, que desaloja o agricultor tradicional. E, bom, em um momento assim, pode-se manipular, desviar o descontentamento para o estrangeiro", diz o historiador Guido Rodríguez Alcalá.

O tema é delicado no Paraguai, afirma o pesquisador Fabrício Vázquez. "É quase um crime que eu diga que (a contribuição brasileira) é muito importante, porque há uma crítica nacionalista muito forte, inclusive dos estudiosos e intelectuais", diz.

"Mas há uma infuência muito forte na economia e, sobretudo, na ocupação e na ativação dos territórios. Os paraguaios não tiveram os meios humanos e materiais e nem a estrutura empresarial para ocupar e integrar essas regiões que foram ocupadas e integradas pelos colonos brasileiros."

Para o analista Fernando Masi, a questão também envolve a economia paraguaia como um todo. "Temos um modelo muito vinculado ao Brasil, mas sem que isso signifique melhorar a qualidade de vida do Paraguai", diz.

"A soja traz muitas divisas, é um grande agronegócio. Pode crescer, como cresce nos últimos tempos, o PIB graças à soja como um dos fatores principais. Mas não tem efeito sobre o emprego."

Integração

Nas cidades fundadas por brasileiros no Alto Paraná, a maioria diz não sofrer preconceito e estar totalmente integrada à cultura paraguaia.

"Sou naturalizado paraguaio. Vim para cá aos 5 anos de idade, praticamente sou paraguaio", diz Romildo Maia, de San Alberto, que foi o primeiro brasileiro a ser eleito prefeito de um município no Paraguai.

No entanto, ele diz que sofreu resistência logo após sua eleição. "Foi bastante difícil. Teve muita manifestação de paraguaios que queriam me tirar da prefeitura, porque não podia um brasileiro mandar. A prefeitura, inclusive, ficou sitiada pelos camponeses mais de 60 dias, fecharam a prefeitura."

Depois da tensão inicial, porém, Maia foi reeleito para um segundo mandato. Hoje, afirma, vários municípios paraguaios têm prefeitos e vereadores brasileiros.

Os filhos e netos desses imigrantes nasceram no Paraguai e se consideram paraguaios.

"Em poucos anos, vamos ter uma população aqui que é toda paraguaia", afirma o paranaense Edoard Schaffrath, há 14 anos no Paraguai. "De origem brasileira."