Redação (20/06/2008)- Em tempo de crise de alimentos, Brasil e Argentina são apontados como os fornecedores de maior potencial para atender a crescente demanda mundial. Porém problemas internos podem ser fatores limitantes nesse cenário.
Para André Nassar, presidente do Instituto de Estudo do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), um desfecho favorável aos países do Mercosul na Rodada de Doha está ameaçado pela atual situação da Argentina que, em razão do locaute, tem priorizado apenas suas demandas domésticas.
”A Argentina, atualmente, está impedindo que seja apresentada uma agenda comercial agrícola do Mercosul”, afirmou o especialista, em entrevista exclusiva ao DCI.
Na avaliação de Nassar os países que compõe o Mercosul têm demandas semelhantes, o que deveria gerar maior pressão a favor de benefícios para o setor agrícola nas negociações de Doha, mas sem a participação da Argentina o bloco fica enfraquecido. ”Hoje o Mercosul não tem a menor condição de negociar como bloco”, diz.
Segundo o especialista, as dificuldades de negociar com o setor industrial sempre existiram, mas agora a classe ruralista Argentina também não enxerga benefícios nas negociações em Doha. ”Na Rodada, o interesse ofensivo da Argentina é agrícola, mas hoje lá não se consegue ter nenhum segmento da agricultura engajado”, avalia.
Quanto a uma solução para a crise argentina, Nassar não demonstra otimismo. ”Não vejo a menor possibilidade de acabar com as retenções”, diz. Ele parece estar certo. O conflito deve se agravar ainda mais após o pedido da presidente Cristina Kirchner, feito na última terça-feira, para que o parlamento endosse sua decisão de reter as exportações.
Além disto, Alberto Fernández, chefe do Gabinete de ministros chamou ontem de ”nazistas” as lideranças ruralistas, que mantêm o locaute. O adjetivo foi atribuído aos agricultores que estão adotando a pratica de se reunirem com parlamentares para convencê-los a votar contra o projeto de lei e a rechaçar os que demonstrarem opinião contrária. O gesto foi interpretado por Fernández como ato de coação
Desafios para o Brasil
A despeito da Argentina, o Brasil também tem seus próprios desafios para uma maior abertura e integração ao comércio internacional. A alta das commodities poderia desviar o foco do setor diante das negociações em Doha.
”Houve uma leitura do setor produtivo de que os preços estão altos, mas o setor privado não mudou seu discurso. Mesmo com os preços melhores defende a importância da Rodada e pede uma maior ambição do governo nas negociações”, diz Nassar.
Na visão do presidente do Icone, essa aspiração se dá no âmbito dos intervalos superiores dos percentuais de expansão do consumo doméstico apresentados no documento que é base para a negociação.
O intervalo para o limite dessa expansão varia de 4% a 6%, pode parecer pouco, mas esmiuçando os números é possível verificar a diferença. No caso da carne bovina, produto que tem sido um dos principais pontos de discussão entre o Brasil e a União Européia (UE), os números são expressivos. A diferença entre atender o percentual de 4% e 6% representa uma variação de expansão do consumo de 300 mil toneladas para 454 mil toneladas.
Para a expansão do consumo de frango a diferença também é significativa, de 350 mil toneladas para 430 mil toneladas.
Nassar também destacou a importância de o Brasil aumentar seu empenho em atender os pleitos das áreas de biotecnologia e sustentabilidade. ”Em Doha estão negociando esses temas, mas o governo brasileiro não está se antecipando às novas demandas”, avalia.
Ele alerta ainda para a urgência de uma definição na mesa de Doha já que a proximidade das eleições norte-americanas pode ser um fator de diluição das discussões. A respeito disso o Brasil tem como aliado os 21 países-membros da organização dos países da orla do Pacífico, que assinaram este mês, em Lima, um manifesto pedindo a retomada da Rodada de Doha.
Hoje o Icone realiza seminário que debate os desafios para o comércio agrícola para o Mercosul.