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ENTREVISTA

Entrevista com Rueda: proprietário do restaurante A Casa do Porco, recém eleito Melhor do Brasil e 4º Melhor da América Latina

Com ousadia e um cardápio inspiradíssimo, o chef Jefferson Rueda, d’A Casa do Porco, tem reavivado nas pessoas o gosto pela carne suína. Nesta entrevista, ele fala sobre sua paixão pelo porco, sobre seu trabalho, avalia o consumo dos produtos suinícolas no País e reflete sobre o que é possível fazer para elevar a presença da carne suína na mesa dos brasileiros.  

Entrevista com Rueda: proprietário do restaurante A Casa do Porco, recém eleito Melhor  do Brasil e 4º Melhor da América Latina

Em uma publicação nas redes sociais, nesta terça-feira (28), o tradicional restaurante de São Paulo (SP), A Casa do Porco, anunciou uma importante conquista: o título de Melhor Restaurante do Brasil e 4º Melhor Restaurante da América Latina de 2023 e comandado pela Melhor Chefe Mulher da América Latina de 2023, o título foi concedido pela Latam 50s Best. O anúncio foi feito durante a cerimônia realizada no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro.

A Agrimídia rememora uma entrevista com o mago da carne suína:

A percepção é imediata. Não será uma experiência qualquer. Logo de saída, ao pegar o cardápio, se lê: “Um Santuário Suíno. Quase uma igreja, um culto, uma corrente filosófica. A beleza e o sabor do porco em toda a sua extensão, glória e generosidade. Bem-vindos à Casa do Porco, irmãos e irmãs”. Amém. O que se segue a partir dali é uma verdadeira, brilhante e inédita ode ao porco. Uma lúdica viagem gastronômica ao universo dos sabores suínos.  

Instalada no centro de São Paulo, A Casa do Porco vem dando o que falar. Sua inauguração, em outubro do ano passado, foi o acontecimento gastronômico da cidade. Passado pouco mais de cinco meses de sua abertura o interesse só aumenta. Filas formam-se em frente ao restaurante. A espera muita vezes ultrapassa três horas.

Capitaneada pelo chef Jefferson Rueda, A Casa do Porco tem reavivado nas pessoas o gosto pela carne suína. Mais do que isso, tem demostrado, com galhardia, a versatilidade do porco e as inúmeras possibilidades de preparo e sabor deste velho conhecido da cozinha brasileira. “O porco é um bicho sensacional. A carne suína é mega produto. Versátil, saborosa, saudável. As pessoas saem daqui emocionadas”, afirma Rueda.

Parte do sucesso d’A Casa do Porco está em sua proposta. Um misto de bar e restaurante, com ambiente despojado, clima informal e cozinha de altíssima qualidade. Mas é inegável que o maior atrativo da casa está na ousadia e inventividade de seu cardápio. Nele, o porco reina soberano e é apresentado de várias formas, cores e sabores. São invenções culinárias saborosas e divertidas. Criativos, os pratos esbanjam sabor. Uma cozinha sofisticada, pensada claramente por alguém que entende do assunto, mas apresentada sem esnobaria ou afetação. N’A Casa do Porco comer volta a ser a velha fonte inesgotável de alegrias.

Amor antigo

A paixão de Jefferson Rueda pelo porco é antiga. Vem desde a infância, quando a família criava o animal em seu sítio lá em São José do Rio Pardo, interior paulista. “Eu cresci comendo porco a paraguaia nas quermesses da cidade”, conta. Essa relação se estreitou quando começou a trabalhar num açougue, ainda em sua cidade natal. Foi lá que Rueda aprendeu muitas das técnicas que usa até hoje. Aos 17 anos formou-se chef. Desde então, Rueda estagiou fora do País, trabalhou com o mítico Laurent Suaudeau e passou por diversos restaurantes – como o Attimo, Pomodori e Madelleine – pelos quais recebeu diferentes prêmios, sempre misturando a cozinha clássica italiana às receitas caipiras. Hoje é um dos mais respeitados chefs do Brasil.

Nesta entrevista, Rueda fala sobre sua paixão pelo porco e pela carne suína, explica sua decisão de deixar o comando de um restaurante premiado para “vender porco no centro de São Paulo” e sobre a emoção que as pessoas sentem ao comer em seu restaurante. Fala também sobre o consumo de carne suína no País, analisa as potencialidades que ela tem no mercado interno e no dia a dia dos brasileiros e opina sobre o que deve ser feito para vencer os preconceitos que ainda a acompanham no Brasil. Os melhores trechos do bate-papo você confere a seguir.  

Suinocultura Industrial – Apesar de ser uma proteína versátil, saudável e nutritiva, a carne suína tem um consumo bastante restrito no Brasil. Ao contrário das carnes bovina e de frango, que têm um consumo superior aos 40 kg por habitante ao ano, a carne suína registra um consumo de 15 kg per capta. Que leitura você faz dessa condição? Em sua opinião porque isso acontece?

Jefferson Rueda – A carne suína ainda é vista com muito preconceito no Brasil. Infelizmente, porque se trata de uma proteína extremamente nobre. Apesar de todo o trabalho que vem sendo feito, o consumo da carne de porco ainda é cercado de vários e diferentes mitos. É preciso desfazê-los. O porco ainda é visto com desconfiança pelas pessoas. Ele é percebido como uma carne menos segura e saudável que as carnes de boi e de frango. O que não é verdade. Mesmo com toda a evolução técnica da suinocultura, muitas pessoas ainda têm aquela ideia – errada – de que os porcos são criados como antigamente, comendo lavagem e restos de comida. É preciso desmitificar o consumo da carne suína, evidenciar suas qualidades, sua versatilidade, sua segurança.

Suinocultura Industrial – Outro dado interessante sobre o consumo de carne suína no Brasil é que 75% dos 15 kg consumidos se dão sob a forma de produtos industrializados, ao contrário dos grandes consumidores mundiais dessa proteína onde a carne fresca é o “carro-chefe”. Como você interpreta essa particularidade do mercado brasileiro?

Jefferson Rueda – Acho que é uma questão de divulgação e de prioridade da indústria. As pessoas não conhecem as potencialidades de preparo da carne de porco. Não sabem direito o que é possível fazer com ela. 

Suinocultura Industrial – E o que se pode fazer para mudar essa realidade, essa percepção?

Jefferson Rueda – É preciso investir em ações educativas, em informação, para divulgar as qualidades da carne de porco, mostrando o que dá para fazer com ela. Esse trabalho precisa ser feito em todas as regiões do País. De Norte a Sul. É claro que são trabalhos diferentes. Na região Sul e Sudeste, por exemplo, por conta da colonização alemã, italiana, espanhola, existe uma cultura de consumo da carne suína. Já no Nordeste não. As pessoas têm medo de comer carne de porco no Nordeste. Medo de comer e ficar doente. E isso tem que acabar, pois não faz o menor sentido. Estive recentemente no Nordeste e andei por vários Estados, passei por várias cidades. E por mais que a suinocultura brasileira tenha evoluído ainda é possível encontrar animais soltos. Isso tem que acabar. Esse tipo de criação precisa ser combatido. Isso não reflete a realidade do setor. A produção de suínos no Brasil é feita com extremo rigor. Não é possível que ainda existam lugares onde porcos vivam soltos.

Suinocultura Industrial – Mas de maneira geral como o senhor avalia a percepção do brasileiro sobre a carne suína?

Jefferson Rueda – Vem melhorando muito nos últimos anos, mas ainda há muita desinformação em relação à carne de porco no Brasil. Ainda predomina uma visão antiga sobre ela. As pessoas acham que a carne de porco é menos saudável e segura que suas concorrentes e isso não é verdade.

Suinocultura Industrial – Na opinião do senhor o que é possível fazer para melhorar o “olhar” dos brasileiros sobre a carne suína?

Jefferson Rueda – O caminho é muito trabalho e a principal ferramenta é a informação. É preciso colocar “o bloco e o trio elétrico na rua”. As pessoas precisam conhecer as qualidades, a praticidade, a versatilidade da carne suína para passar a consumi-la de acordo com o potencial que ela tem. Aqui na A Casa do Porco esse preconceito não existe mais. Nos finais de semana são, duas, três, quadro horas de espera. As pessoas vêm aqui e se emocionam com a carne de porco. 

Suinocultura Industrial – Nos países europeus o consumo da carne suína é muito grande. A experiência de outros países pode nos ajudar nesse sentido?

Jefferson Rueda – Não sei, lá o consumo é cultural. O porco sempre esteve muito presente da culinária do povo europeu. Trata-se de uma cultura fortemente estabelecida, arraigada É uma relação que vem de longa data. São países que passaram por guerras. E a estrutura de produção por lá é diferente da nossa. Há a produção industrial, mas há também uma forte presença da produção artesanal, feitas por pequenos produtores. Eu estive na Espanha, em Olot [município na província de Girona, comunidade autônoma da Catalunha], uma cidade de 45 mil habitantes e lá tem um frigorífico que abate 15 mil cabeças por dia, mas também um grande número de pequenos produtores que se dedica ao trabalho artesanal. Esse pequeno faz embutidos. São produtores que estão na oitava ou nona geração que trabalha com porcos. Cada família tem sua receita. Isso se chama tradição.  

Suinocultura Industrial – O senhor é chef e um grande entusiasta da carne suína. Em sua opinião quais são as potencialidades da carne suína no dia a dia dos brasileiros?

Jefferson Rueda – Você já deu uma olhada no meu cardápio? O suíno é um dos poucos animais do qual se aproveita tudo. Do focinho ao rabo. E isso é que é fantástico. Do porco nada se perde. Ele é um animal super versátil e democrático. O suíno é formado por pele, gordura e carne. Você pode preparar essas três partes juntas e depois comer uma só, de acordo com seu gosto. Isso confere uma característica de versatilidade e abre um leque de possibilidades que só a carne de porco tem e pode oferecer. Você faz o que quiser com a carne suína. São inúmeras as possibilidades. Sem falar dos atributos de sabor e saúde da carne de porco. Está fazendo dieta? Coma carne suína. Diferente da carne bovina, onde a gordura é entremeada, no porco a gordura é sempre externa. Isso significa que ela pode ser grelhada com a gordura e ingerida sem. Você quer uma carne um pouco mais seca? Tem o lombo, um corte sensacional e com diferentes formas de preparo. A carne de porco é muito versátil, mas o consumidor final precisa saber disso.

Suinocultura Industrial – Os produtores brasileiros têm empenhado grande esforço para melhorar a apresentação da carne suína nos postos de venda, apresentando-a em cortes variados (novos cortes), em formatos convenientes e porções adequadas. Como uma pessoa de fora do setor, como o senhor vê a apresentação da carne suína nas gôndolas dos supermercados? O senhor acredita que a forma como ela é atualmente apresentada ajuda a estimular o consumo?

Jefferson Rueda – Depende da marca, né? O que vejo é que a oferta ainda está muito concentrada nos itens congelados. O que é até certo ponto compreensível; a carne suína é muito perecível. O shelf life dela é muito curto. Essa realidade vem mudando, mas é preciso intensificar esse trabalho. É preciso investir em tecnologia de embalagem para aumentar a oferta e o tempo de prateleira dos produtos. Como, aliás, a indústria do boi fez.

Suinocultura Industrial – Gostaria de falar um pouco sobre a experiência que está tendo à frente d´A Casa do Porco. O senhor abriu mão de ser chef de um grande restaurante para investir num negócio próprio que tem a carne suína como “ingrediente principal”. Qual sua relação com a carne suína? 

Jefferson Rueda – Minha paixão pelo porco vem desde a infância. Nasci em São José do Rio Pardo [interior de São Paulo], metade da minha família morava no sítio e o bichinho sempre esteve presente na minha vida. Cresci comendo porco a paraguaia, porco na Páscoa, no Natal, enfim, em todas as datas festivas. Depois fui trabalhar num açougue e comecei a fazer linguiça, a aprender a fazer os cortes. E nos meus restaurantes a carne de porco sempre esteve presente. Meu amor pelo porco vem desde criança.      

Suinocultura Industrial – Uma das coisas que mais chama atenção no seu trabalho n’A Casa do Porco é a liberdade com que o senhor atua. Basta dar uma rápida olhada no cardápio para ver que é um trabalho 100% autoral. A versatilidade da carne suína colabora com isso?

Jefferson Rueda – Sim e muito. E por isso essa paixão. A carne suína abre uma infinidade de possibilidades para meu trabalho. Basta ver o menu degustação aqui n’A Casa do Porco. Através dele é possível dar uma volta ao comendo apenas carne de porco sem que isso seja tedioso. E isso é possível graças à versatilidade da carne suína. Ela pode ser servida grelhada, assada, agridoce… A carne de porco se comporta bem de diferentes formas. Em minha última passagem pela Espanha aprendi a fazer um salame doce. Não vai sal, só açúcar na receita. Você come salame doce na sobremesa. 

Suinocultura Industrial – O que também se nota n’A Casa do Porco Bar é que, além da paixão pelo animal, há um apelo social.  Ela está instalada no Centro de São Paulo e é um restaurante de gastronomia sofisticada sem ser esnobe, com preços acessíveis. Uma das atrações daqui é o sanduíche de porco que é vendido a RS$ 15,00 por uma janela aberta para a rua. Como você chegou a esse conceito?

Jefferson Rueda – Sou uma pessoa que sempre gostei de transitar. Eu sou movido a novos projetos e desafios. Já fazia algum tempo que eu pensava em vir para o Centro de São Paulo vender porco assado. Quando eu falava as pessoas assustavam. “O Rueda ficou louco. Vai deixar a cozinha de um restaurante que tem prêmio Michelin para vir para o Centro vender porco?”, questionavam. Mas a ideia foi amadurecida com cuidado. Tenho 20 anos de carreira e já estava na hora de fazer aquilo que gosto. Mas não adianta apenas querer fazer uma coisa diferente. Você tem que estar ligado em tudo o que está acontecendo naquele momento no mundo, no seu País, na sua cidade, na sua esquina. Eu queria fazer um trabalho de revitalização [do Centro de São Paulo] e ser democrático. Queria servir um tipo de comida feita com grande cuidado e qualidade, mas a um preço acessível.     

Suinocultura Industrial – E tem funcionado?

Jefferson Rueda – Sim, aqui no centro o primeiro escalão sai para comer por volta das 11 da manhã. São office boys, faxineiras, diaristas. Eles podem até não ter dinheiro para frequentar A Casa do Porco no dia a dia, mas têm a janelinha com o sanduíche de porco do “Jeffin” para eles. E eles comem. E é pela “janelinha” que eu pego outros “peixões” também. Neguinho passa aqui na frente, vê lotado, e acaba comendo o sanduíche. Gosta tanto que acaba voltando para conhecer o restaurante. Muitas pessoas que são clientes hoje d’A Casa do Porco eu conquistei através do sanduíche. A Casa do Porco é o que você quer que seja. Você quer que seja um bar para tomar uma cerveja? Ela pode ser. Você quer que seja um restaurante com menu autoral? Ela pode ser também. A Casa do Porco é, acima de tudo, democrática.

Suinocultura Industrial – Gostaria de lhe fazer uma última pergunta. A carne suína é uma proteína nobre e versátil.  O senhor acredita que um dia ela possa ser popular no Brasil?

Jefferson Rueda – Com toda certeza, sim.A carne suína reúne todas as condições para ser a proteína mais consumida no Brasil. O porco é um bicho sensacional. A carne suína é mega produto. Versátil, saborosa, saudável, com bom preço. Agora, é preciso mostrar essas qualidades – nutricionais, de sabor, de preparo – para as pessoas. A maioria delas ainda não as conhece. Não tem o hábito de consumi-la, não sabe prepara-la. É preciso comunicar, ressaltar suas qualidades, mostrar o quê é possível fazer com a carne de porco. O espaço da carne suína no País é imenso. A Casa do Porco é um exemplo disso. As pessoas saem daqui emocionadas. A carne suína tem um espaço enorme para crescer no Brasil.