A biomassa da cana como fonte de energia já foi mais popular do que é hoje. Há uma década, a euforia com o potencial do produto era maior, mas com o tempo os investimentos esbarraram em desafios tecnológicos e de mercado, o que afastou muitos players do jogo.
Uma das poucas empresas que mantiveram seus projetos em curso foi a Raízen Energia. A joint venture entre Cosan e Shell vê suas iniciativas nessa frente, do etanol celulósico aos pellets, ganharem escala comercial em 2020 e está pronta para consolidar, assim, o que chama de uma “plataforma integrada” de energia.
Carro-chefe dessa nova plataforma, a produção de etanol a partir de bagaço e palha de cana, que já demandou aporte de R$ 250 milhões, se aproxima agora de sua máxima capacidade projetada inicialmente. “Do ano passado para cá, fizemos os últimos projetos de melhoria que esperávamos”, afirma Antônio Simões, vice-presidente de Logística, Distribuição e Energias Renováveis da Raízen.
Na safra atual (2020/21), a ocupação da capacidade da planta, situada em Piracicaba (SP), está em 80%, e a companhia espera encerrar a temporada com produção de 30 milhões de litros, ante uma capacidade de 42 milhões. Dois terços do volume já foram vendidos ao exterior. A produção vem crescendo entre 30% e 40% ao ano, e desde o início das operações, em 2015, até a última safra (2019/20) a Raízen direcionou 55 milhões de litros ao mercado externo. Trata-se de um volume pequeno comparado ao do etanol tradicional, “de primeira geração” – que
tangenciou 3 bilhões de litros apenas na safra passada -, mas que começa a fazer diferença.
Em meio a esse avanço, a empresa estuda explorar comercialmente a lignina, subproduto do processo de fabricação do etanol celulósico. “Estamos estudando sua aplicação em madeira, bioplásticos, e pellets, para a substituição de carvão”, diz Simões. A própria produção de pellets – compensados de biomassa que substituem o carvão na geração de energia – a partir de bagaço e palha da cana também ganhou corpo. No ano passado, a Raízen comprou a participação de 81% do negócio da Cosan e, neste ano, já exportou 40 mil toneladas de pellets, toda a produção da safra passada. O valor da compra e do investimento na planta, em Jaú (SP), não foram informados. O primeiro embarque, de 10 milhões de toneladas, foi apenas em 2019 e teve caráter de teste. “Tivemos um acordo de desenvolvimento. Como [o novo produto] era o primeiro a competir com os pellets existentes [de madeira], nunca tinha sido testado. Provamos sua compatibilidade, eficiência e segurança”, afirma o executivo.
O mercado internacional já está mais maduro para o uso de pellets, tanto por causa de mandatos e incentivos para a substituição de carvão, quanto pelo fato de a tecnologia estar mais dominada. Daí porque é a principal aposta da companhia. No mercado interno, a Raízen começa a realizar testes para substituir óleo diesel em algumas indústrias
Também neste ano começam a ser ligadas as turbinas da usina de cogeração a biogás colada à Usina Bonfim, em Guariba (SP), com potência de 21 megawatts (MW). Pelo leilão vencido em 2015, a planta, que utiliza resíduos orgânicos e demandou investimento de R$ 153 milhões, tem que começar a entregar energia a partir de janeiro de 2021. Até lá, alguns testes serão feitos e alguma energia já poderá ser entregue via mercado livre.
O próximo passo, em 2021, é começar a testar o potencial do biogás como biometano em parceria com montadoras de caminhões. “Tecnologia existe, é só uma questão de escala e logística, com um tipo de compressão que tem pouco no Brasil. Os primeiros números indicam boa competitividade em relação ao diesel”, afirma Simões.
O desafio que a Raízen tem com todos esses projetos é justamente garantir competitividade. No caso do etanol celulósico, Europa e Califórnia, com mandatos específicos para o combustível renovável, têm sido um porto seguro para a tecnologia enquanto o RenovaBio, política brasileira de incentivo a biocombustíveis, não ganha tração.
Para os pellets de biomassa, o desafio no exterior é competir com os de madeira, hoje fornecidos em larga escala pelos Estados Unidos. Segundo Simões, o que o pellet derivado da cana perde em escala e proximidade com porto, ganha com custo e manuseio. “Quando olhamos para o produto colocado no porto, vemos que vamos ser competitivos.”
Também a cogeração a partir de biomassa da cana, tecnologia já dominada pelo segmento sucroalcooleiro, ainda não é totalmente explorada pela Raízen. Das 26 usinas da empresa, apenas 13 comercializam energia. Como daqui quatro ou cinco anos alguns leilões começarão a expirar, a companhia terá que encontrar alternativas. Uma das opções, diz Simões, podem ser contratos bilaterais de longo prazo.
Os avanços tecnológicos, porém, já dão conforto para a Raízen voltar a pensar em novos investimentos nessas frentes, mas não há nada definido, admite o executivo. Por enquanto, devem fazer parte do caminho para reduzir a pegada de carbono de seu etanol em 10% até 2030, em linha com meta estabelecida pela acionista Cosan.
Prejuízo no 1º tri
A Raízen Energia, que é a maior companhia sucroalcooleira do país, encerrou o primeiro trimestre desta safra 2020/21 (abril a junho) com prejuízo líquido atribuível aos acionistas controladores de R$ 103,5 milhões, ante resultado também negativo de R$ 113 milhões registrado no mesmo período do intervalo anterior. Na mesma comparação, a receita líquida da companhia diminuiu de R$ 1,4 bilhão para R$ 1,2 bilhão. Apesar do prejuízo e da queda da receita, a empresa viu com bons olhos a aceleração de sua moagem de cana, em razão do clima seco em
sua área de atuação, e confirmou que está maximizando a produção de açúcar, que está gerando melhor remuneração que o etanol – principalmente na exportação. A intenção é concentrar as vendas de açúcar no terceiro e no quarto trimestre. A expectativa no segmento também é que as vendas domésticas de etanol melhorem com o relaxamento do isolamento social nos grandes centros