A perspectiva de fim dos subsídios às fontes renováveis de energia, prevista pela medida provisória 998/2020, tem levado geradores e desenvolvedores a acelerarem negociações e trâmites para entrar com pedidos de outorga de projetos na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Editada no início de setembro, a MP 998 prevê que o desconto de pelo menos 50% nas tarifas do uso dos sistemas de transmissão e distribuição está garantido para empreendimentos de fontes “incentivadas” (eólica, solar, biomassa e PCH) que solicitarem outorga até 1º de setembro de 2021 e iniciarem operações em até 48 meses.
Apesar da incerteza sobre a conversão da MP em lei, agentes do setor entendem que o assunto, já em discussão há anos, se tornou mais concreto com a proposta do governo. Por isso, as empresas têm preferido acelerar processos do que correr o risco de perder o benefício.
Entre os geradores, há quem avalie inverter a prática comum e pedir outorgas mesmo sem ter ainda um contrato de compra e venda de energia (PPA) assinado. É o caso da Echoenergia, braço da gestora britânica Actis para projetos de energia renovável. “Para projetos que devemos assinar [com consumidores] num futuro próximo, entendo que é responsável da nossa parte começar o processo de outorga agora, em vez de esperar. Até porque posso perder essa janela”, afirma o presidente, Edgard Corrochano. A companhia tem 1 gigawatt (GW) em complexos eólicos operacionais e mais 2 GW em projetos no “pipeline” para os próximos anos.
Normalmente, geradores preferem ter um contrato em mãos para garantir a viabilidade das usinas antes de iniciar os procedimentos junto à Aneel, aponta Fabiana Vidigal de Figueiredo, sócia de energia e meio ambiente do CMT Advogados.
Ela observa que o pedido de outorga exige o aporte de garantias financeiras, em valores não desprezíveis. Além disso, quando o documento é expedido, começam a correr prazos para a implantação do projeto, que podem gerar multas em caso de descumprimento.
O diretor de Novos Negócios da Casa dos Ventos, Lucas Araripe, entende que a fonte solar tem uma facilidade nesse processo. Isso porque, no caso da solar, não há obrigação de aporte de garantias na hora de pedir a outorga, de forma que o prejuízo financeiro é menor se o projeto não sair do papel. “Já o eólico, tem que ser algo mais concreto para entrar com o pedido”. A companhia já tem outorgas para o 1,5 GW em projetos eólicos que deve construir no Rio Grande do Norte e na Bahia até 2023.
Outra empresa que tem se apressado após a edição da MP é a Rio Alto, desenvolvedora e geradora focada em energia solar. “Na nossa programação dos próximos anos, já estamos no processo de outorga dos parques para conseguir esse incentivo”, afirma o sócio-fundador, Rafael Brandão. Ele defende, porém, que é preciso “certo cuidado” para que essa correria não leve a um acúmulo de projetos sem rigor técnico no mercado. “Muitas empresas estão outorgando projetos para depois vendê-los. Não sei se isso faz sentido, e se você tiver um monte de outorga e não vender?”
No segmento de geração, é comum que empresas se especializem nas diferentes fases dos projetos (desenvolvimento inicial, construção, operação), em alguns casos atuando em apenas uma dessas etapas. Por isso, especialistas apostam também num aquecimento no mercado de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês), com empresas de projetos correndo para obter outorga como forma de valorizar seus ativos antes de buscar compradores. “Projetos de desenvolvedores já com requisição de outorga se tornaram muito mais valiosos do dia para a noite”, afirma Raphael Gomes, sócio da área de Energia do escritório Demarest.
De acordo com a Aneel, ainda não é possível enxergar efeitos concretos dessa “corrida” do mercado nos dados mais recentes, possivelmente pelo pouco tempo desde a publicação da MP. De todo modo, o volume de projetos já outorgados pela agência mostra o forte interesse do mercado na geração renovável: neste ano, foram emitidas 220 outorgas para projetos eólicos e solares no mercado livre (ACL), somando 8,2 GW de potência.
Mesmo com tanto projeto no mercado, especialistas acreditam que haverá demanda para colocá-los de pé. A leitura é que empresas que estejam capitalizadas podem acelerar a contratação de energia de longo prazo para garantir o benefício.
Além disso, as renováveis se tornaram ainda mais atrativas com o fortalecimento da agenda “ESG” (sigla para governança ambiental, social e empresarial).
Além de negociações bilaterais, outra forma de viabilizar os empreendimentos têmsido os leilões organizados pelas próprias elétricas para compra de energia deterceiros. No último mês, Engie e Furnas abriram certames do tipo. “A energia vendida para Furnas, a partir do leilão, necessariamente ainda fará jus aos incentivos”, explicita a estatal, em comunicado sobre a licitação.
Os impactos da retirada dos incentivos sobre os preços e a competitividade das renováveis ainda não são claros. No geral, especialistas e geradores entendem que a energia eólica e solar devem continuar competitivas, a exemplo do observado nos últimos leilões regulados. Entre as duas fontes, há quem considere que a solar pode ser mais afetada pelo fim do desconto – segundo um estudo da consultoria Greener, o preço da energia solar pode ter acréscimo de quase R$ 20/MWh com o fim do desconto no “fio”.