Este é o terceiro ano do projeto da Tarpon/Abilio Diniz de transformar a BRF — dona das marcas Sadia, Perdigão e Qualy — de uma empresa de commodities em uma prateleira de marcas de consumo com valor agregado.
De lá para cá, o foco da empresa em rentabilidade — incluindo uma redução de seus SKUs — tem dado resultados em grande parte positivos. Nas contas do BTG Pactual, de 2013 para cá a BRF teve uma queda de 16% no volume vendido, mas uma métrica de geração de caixa (EBIT por tonelada) subiu quase 300% em reais (e 112% em dólares!), enquanto o retorno sobre o capital investido quase dobrou.
Também é verdade que, nos últimos anos, empresas como a BRF se beneficiaram do chamado ciclo da proteína — baixos preços da soja e milho, o principal custo da empresa. De 2012 para cá, o preço da saca de milho murchou de 8 pra 3,5 dólares na Bolsa de Chicago; e a soja, de 18 para 9 dólares, turbinando a margem operacional das empresas do setor.
O problema é que o ciclo parece estar virando. De acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA) da ESALQ/USP, no mercado interno o milho já subiu 68% do início de agosto para cá, respondendo à desvalorização cambial e à entrada de novos players na exportação de aves, principalmente cooperativas que viram no dólar a R$4 um motivo para se mexer.
A bênção/maldição do câmbio criou a seguinte situação: nunca se produziu tanta soja e tanto milho no Brasil quanto em 2015, e, apesar disso, os preços também foram recordes. “No Brasil, o preço do milho perdeu relação com Chicago,” diz um investidor que acompanha a empresa. “Estamos negociando [o milho] a um prêmio, mas a importação ainda não faz sentido.”
Além disso, as margens da BRF caíram em seus principais mercados exportadores (Japão, Oriente Médio, África), um sinal de que a concorrência está forte — e, se mais produtores estão criando pintos, é muito provável que um ponto de inflexão nos preços dos grãos esteja a caminho também no mercado internacional. [Nos últimos quatro meses, o mercado reprecificou a ação: antes do resultado do terceiro trimestre, divulgado no final de outubro, a companhia negociava a 20 vezes seu lucro estimado. Agora, negocia a 15 vezes.
O CEO global da BRF, Pedro Faria, disse à coluna que a empresa está ‘mais bem preparada’ do que nunca para enfrentar essa mudança de cenário.
Nós acabamos de anunciar resultados positivos em um ano desafiador, com uma forte geração de caixa [R$ 3,4 bilhões em 2015], e permanecemos com um nível saudável de alavancagem [dívida líquida de aproximadamente 1,28 x EBITDA]. Seguimos muito confiantes nos nossos planos de longo prazo e no nosso time. Acreditamos que essa é uma maneira efetiva de remunerar os acionistas. Nos atuais níveis de preço, não vislumbramos outra alternativa de investimento com maior retorno do que recomprar a ação da BRF. Em 2015, mesmo com o programa de recompra de R$ 3,7 bilhões, a empresa fez um capex [investimentos] de R$ 2 bilhões, aquisições da ordem de R$ 300 milhões de reais, e ainda retornamos mais de R$ 1 bilhão aos acionistas.
Qual é a sua avaliação sobre a elasticidade da demanda neste momento, e o que vocês esperam em termos de custos daqui pra frente?
Aumentamos os preços em 10% em janeiro de 2016. Tanto os varejistas quanto o consumidor final sabem que viemos represando esse aumento desde o início do 1º semestre de 2015; esse repasse já era mais do que esperado. Se comparado com outros itens de alimentos, o aumento de 10% é bem inferior à média do setor. É praxe no mercado de bens de consumo que as marcas líderes iniciem o processo de reajuste e sejam seguidas pelos concorrentes, e nesse hiato é normal uma certa queda no volume, que acaba sendo recuperada quando o mercado todo já está com nova precificação.
No mercado internacional, você disse que o Oriente Médio (um grande mercado para a BRF) está em seu pior momento desde 2002. O que vocês estão fazendo para enfrentar essa situação?
A operação da BRF no Oriente Médio é um bom exemplo de como a empresa tem conseguido rentabilizar o negócio e agregar valor estando mais próximo do consumidor. Mesmo com os níveis de preço em dólar em seu patamar mais baixo desde 2002, continuamos entregando margens saudáveis e bem diferentes do que foi o histórico. Esses são os resultados das transformações e aquisições que fizemos na região. Nossa operação hoje está muito mais robusta e preparada para navegar esse momento do ciclo. Vamos continuar investindo em nossa distribuição, nos aproximando cada vez mais do consumidor final e acelerando os lançamentos e as vendas de produtos processados. Esses são os pilares que sustentarão nosso resultado na região.
Vocês anunciaram trocas importantes no time de gestão da empresa. Ninguém esperava que o CFO e a ‘general manager’ de Brasil [responsável por vendas e marketing] sairiam ao mesmo tempo. Por que vocês fizeram estas trocas? Essa volatilidade não é ruim para a companhia?
Tem dois aspectos muito importantes dessas decisões. O primeiro e mais importante é que a BRF tem em seu time hoje profissionais capazes de ascender e ocupar postos de maior importância. Tanto o Rafael Ivanisk [novo ‘general manager’ de Brasil] quanto o Alex Borges [novo CFO], vêm de jornadas muito felizes, nas quais entregaram resultados consistentes e alinhados à cultura da empresa. Estão sendo premiados pelo seu talento. Isso é uma parte essencial do que estamos construindo aqui: meritocracia aliada à cultura. Nos últimos anos fizemos um trabalho incansável de formação, atração e retenção de talentos e uma repactuação em tornos dos valores culturais da empresa que nos permitirá construir o desenvolvimento da BRF nas próximas gerações. A Flávia [Faugeres] saiu da companhia por razões pessoais, e temos muito que agradecer a ela. Ela deixa um legado muito importante de inquietude e inovação. Também gostaria de agradecer ao Augusto Ribeiro pelos anos de ótimos serviços prestados à BRF.
Os preços de grãos (que são cerca de 30% de seus custos totais) estão subindo forte. Além disso, o seu resultado foi impulsionado por 309 milhões de reais de ganhos não-recorrentes. Vocês estão sendo vítimas do ciclo?
Não dá pra revogar os movimentos cíclicos aos quais a companhia está exposta, e a recente alta do milho no sul do Brasil, mesmo que na mão contrária do movimento global, é um bom exemplo disso. Não nos vemos como vítimas do ciclo, mas sim uma empresa muito mais bem preparada para absorver esses movimentos por tudo que fizemos nas variáveis de custo sob nosso controle. A BRF vem passando por uma série de transformações estruturais de forma a manter suas margens saudáveis e ficar cada vez mais próxima do consumidor final.
No que tange aos ganhos não recorrentes do quarto trimestre, não existe nenhuma relação com o ciclo. A decisão da mudança de alocação contábil de Minerva [de ‘investimento avaliado por equivalência patrimonial’ para ‘ativo financeiro disponível para venda’] faz sentido quando consideramos que não temos mais assentos no conselho e, por consequência, não influenciamos as decisões da companhia. [A BRF detém 15% do capital da Minerva] Dessa forma, não faz sentido ver os resultados da Minerva impactando nosso resultado via equivalência patrimonial [um critério contábil]. Já os ganhos oriundos das recuperações, tanto dos empréstimos compulsórios da Eletróbras quanto de PIS/Cofins, são frutos do belo trabalho do nosso time jurídico, que segue mantendo uma abordagem conservadora porém muito ativa na defesa dos interesses dos nossos acionistas.