Os números apresentados pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) referentes à safra 2014/15 no Centro-Sul deixaram evidente o tamanho do estrago causado pela forte estiagem deste ano. Diante da constatação de que daqui em diante a cana colhida será a mais afetada pela seca, a Unica revisou para baixo suas projeções para produção de açúcar e também de etanol. Só em açúcar, a queda em relação ao estimado em abril será da ordem de 1,1 milhão de toneladas.
Na primeira quinzena de agosto, as usinas da região moeram 2,3% mais cana do que em igual intervalo de 2013/14, mas para isso, tiveram que colher uma área 14% maior. A expectativa é de continuidade da queda. “Já na segunda quinzena de agosto, a moagem acumulada deve ficar abaixo da realizada em igual período do ano passado”, disse o consultor de gerenciamento de risco da FCStone, Bruno Lima. Desde o início da safra até 16 de agosto, o processamento de cana acumulou 325,3 milhões de toneladas, ainda 2,75% maior que em igual intervalo de 2013/14.
Segundo a Unica, no acumulado da safra o rendimento agrícola no Centro-Sul recuou 6,42%, mas, na primeira quinzena deste mês, essa quebra se acentuou e foi de expressivos 13%, sendo 16% em São Paulo.
Ficou claro também que as usinas estão desacelerando a moagem para produzir mais etanol. Nos primeiros quinze dias de agosto, o percentual de caldo da cana direcionado para a fabricação do biocombustível subiu mais de 2 pontos, para 54,27%, ante 52,11% de igual período de 2013.
Diante das evidências, a Unica, que representa 90% da produção de açúcar e etanol do país, revisou sua estimativa inicial, feita no fim de abril. A nova projeção significará, se confirmada, uma oferta de 31,355 milhões de toneladas de açúcar, 1,145 milhão de toneladas a menos do que o estimado em abril. Em relação à safra passada, a redução será de 2,940 milhões de toneladas.
A nova projeção, diz Lima, da FCStone, surpreendeu, pois apesar de o mercado já ter feito revisões, elas variavam entre 32,3 milhões e 32,5 milhões de toneladas. Também alavancou todos os contratos da commodity na bolsa de Nova York. Os de vencimento mais imediato, em outubro, subiram 2,28%, ou 35 pontos, a 15,71 centavos de dólar por libra-peso. Os para março, subiram mais (30 pontos), a 17,63 centavos de dólar.
O mercado futuro ontem ignorou até a primeira estimativa para a safra 2014/15 anunciada pela Organização Internacional de Açúcar (ISO na sigla em inglês). Em vez de déficit, a entidade projeta que o ciclo mundial que começa em 1º de outubro será de mais uma sobra global – de 1,3 milhão de toneladas -, a quinta consecutiva.
Mas ainda não é possível prever se a alta se trata de um “voo de galinha”, disse o consultor da FCStone, em relatório ontem. “Ainda há estoques elevados no mundo e no Brasil, além de incertezas sobre o efeito do clima na produção da Índia, Tailândia e China”.
O mercado deve ajustar seu número de moagem de cana ao divulgado pela Unica, na visão do diretor da trading francesa Sucden no Brasil, Jeremy Austin. A associação que representa as usinas revisou para 545,8 milhões de toneladas o processamento da matéria-prima, 5,9% abaixo do estimado em abril. “O mercado vinha trabalhando com previsão de 549 milhões de toneladas, mas provavelmente, deve reduzir esse volume para algo mais próximo de 540 milhões”, disse Austin.
A confirmação de uma safra mais alcooleira se justifica pela remuneração gerada pelo biocombustível. Mesmo com a alta do açúcar ontem em Nova York, o etanol continua na frente do açúcar. Segundo cálculos da consultoria FG Agro, de Ribeirão Preto (SP), o etanol hidratado para outubro na BM&FBovespa fechou ontem ao equivalente 18,15 centavos de dólar por libra-peso, 15,5% acima do mesmo vencimento do açúcar na bolsa americana.
A decisão das usinas do Centro-Sul de reduzir a produção de açúcar não será suficiente, no entanto, para poupar o etanol. A estiagem também vai resultar, segundo a Unica em uma produção de 24 bilhões de litros do biocombustível, 7,2% abaixo do estimado em abril e 6,14% abaixo do registrado no ciclo 2013/14.
A produção de anidro terá leve alta de 0,61% em relação ao projetado em abril, a 11,319 bilhões de litros, e de 2,83% em relação à temporada 2013/14. Já a de hidratado vai cair para 12,685 bilhões de litros, queda de 13,26% em relação à estimativa anterior e 12,92% em relação ao ciclo passado.